Período de eleições é o momento dos escândalos aparecerem, cujo objetivo é criar espaço de debate público que culmine com prejuízos para uma parte. Em meio as verdades os interesses formam uma aura de dúvidas, afinal seria mesmo ingenuidade acreditar que o poder é um lugar em que a assepsia está em todos os cantos. Certamente, as denúncias atingiram e atingirão governos ao longo da história. Não se trata de naturalizar a falta de moral e ética contra o público, mas analisar o tempo dos fatos conforme suas relações.
A participação da mídia na busca pela transparência é fundamental, entretanto, no período eleitoral as empresas de comunicação se investem tanto na defesa partidária (salvo exceção) que a informação se mistura com desinformação, com prejuízos absolutos para a formação livre de pensamento. Desta forma, no jornal paulista, Folha de S. Paulo de hoje (domingo-5) dois olhares.
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JANIO DE FREITAS
Eleições criminais
Não há motivo para supor que das investigações resultarão consequências exigidas pelas leis
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OS FATOS e os não-fatos já mencionados, em torno de dados sigilosos de pessoas ligadas a José Serra, não exigem imparcialidade virtuosa para a percepção de que, até agora, tanto poderiam proceder de um lado como de outro na disputa pela Presidência.
Assim como a petistas seria possível ocorrer a violação e o uso de sigilos para comprometer Serra, aliados de Serra poderiam pensar na montagem de um ardil para incriminar a candidatura de Dilma Rousseff. E, por ora, não se tem indício, com alguma confiabilidade, contra um lado ou outro. O que há, nesse sentido, são preferências infiltradas no noticiário e dando-lhe o tom, ainda que parte delas seja mais por precipitação do que por motivos eleitorais.
A última contribuição desse estranho personagem Antonio Carlos Atella Ferreira, que tanto perde na memória atos inesquecíveis como os recobra com rápida e fácil dubiedade, é ilustrativa do momento indefinido. "Vou fazer a vida com essa historinha", lema que expôs logo ao ser identificado como parte do embrulho, é uma proclamação de caráter e intenções, para não dizer de objetivo de vida. A curiosidade se oferece: ainda não fez a vida?
A filiação de Atella ao PT traz para o caso mais uma peça amorfa, sujeita a questionamento: a Justiça Eleitoral. Como é possível que só seis anos depois da filiação o Tribunal Regional Eleitoral-SP a tenha "excluído" por incorreção no registro?
No intervalo 2003-2009, houve eleições para prefeito, governo do Estado, presidente da República e ainda para vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores. Em São Paulo, a maior concentração da Justiça Eleitoral no país não sabia quais filiações partidárias eram corretas ou não? Logo, não seria estranho haver irregulares entre os candidatos e até entre os eleitos.
E quanto a Atella Ferreira, como e por que veio a saber da incorreção, afinal? Descoberta havida em momento tão propício para engrossar o caso, dois meses depois da quebra do sigilo de Verônica Serra em que é coautor, com o próprio nome a indicá-lo na fraude. A Justiça Eleitoral deve explicações.
Desde 1982, quando o SNI, o candidato Moreira Franco, integrantes do departamento de jornalismo da Globo e a empresa de informática Proconsult se uniram para fraudar a eleição no Estado do Rio, as eleições brasileiras são terreno de bandidismo eleitoral, do mais ordinário ao mais grave. Todos os episódios provocaram inquéritos de polícias estaduais e da Federal, do Ministério Público, da Justiça Eleitoral e da Justiça Criminal. Nenhum, jamais, levou a alguma das consequências determinadas pelas leis.
Estamos diante de mais um caso. Cercado de suspeições e hipóteses viáveis, em diferentes sentidos. Com toda a certeza, recheado de crimes graves, inclusive contra preceito da Constituição. Mas não há motivo para supor que das várias investigações resultarão as consequências exigidas pelas leis. Eleições, aqui, misturam-se muito com outros propósitos e atividades.
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SUZANA SINGER - ombudsman@uol.com.br
@folha_ombudsman
À PROCURA DO VILÃO
PT E PSDB IMPUTAM UM AO OUTRO A CULPA PELA QUEBRA DE SIGILO FISCAL; CABE À IMPRENSA ESCLARECER ESSA HISTÓRIA
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AS MANCHETES de jornal finalmente chegaram ao horário eleitoral gratuito. Para dar credibilidade ao escândalo da quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra, os tucanos exibiram, na quinta-feira à noite, páginas da
Folha e do "Estado de S. Paulo" falando do caso.
PSDB e PT jogam com a confusão: enquanto não se esclarece o episódio, tentam imputar culpa um ao outro. A Receita Federal, pelo que foi noticiado, não tem se pautado pela transparência nas investigações. A Polícia Federal ainda não mostrou resultados. Cabe, portanto, à imprensa colocar os inúmeros pingos nos "is" dessa história.
O principal deles é esclarecer a mando de quem foram remexidos os documentos da filha de José Serra.
As suspeitas recaem sobre o PT. Primeiro, pelo histórico: a espiada na conta bancária do caseiro Francenildo (2006), os "aloprados" com dinheiro vivo (2006), o levantamento de gastos pessoais de Ruth Cardoso (2008) e a recente descoberta, de junho, de que havia um dossiê com dados sigilosos de pessoas do PSDB nas mãos de um grupo da pré-campanha de Dilma Rousseff.
Outro agravante contra o partido do governo é a revelação de que o contador que entregou a procuração falsa de Verônica Serra era filiado ao PT, como revelou o "Jornal Nacional" de sexta-feira.
Há ainda o argumento da motivação: já que vários tucanos tiveram o sigilo violado, o responsável deve ser o inimigo nº 1.
São todos indícios, ainda não conclusivos. Petistas já espalharam que interessaria também a Aécio Neves reunir dados sobre o colega de partido que disputava com ele a vez de se candidatar à Presidência, em setembro do ano passado, quando a cópia da declaração do Imposto de Renda de Verônica foi obtida.
JORNALISMO DECLARATÓRIO
O primeiro passo para a imprensa agora é distanciar-se da troca de acusações. Basta registrar que Serra disse que "nos tornaremos todos francenildos" e que Dilma retrucou que "a oposição está desesperada". Da verborragia política, não sairá nada além disso.
Serra joga pistas, como dizer que dados da filha já estavam em "blogs sujos", mas não explica o que havia neles nem se foram obtidos por meio de ato ilícito. Dilma só se preocupa em minimizar o ocorrido -um "malfeito" na Receita, segundo ela- e em ficar o mais longe possível da lama que emerge a cada dia.
Chega de jornalismo declaratório. Mesmo aquele em "off", como fez a
Folha na sexta-feira, ao manchetar "Serra diz ter feito alerta a Lula sobre ataques a sua filha". A afirmação do candidato teria sido feita a "aliados".
Reproduzindo as aspas acriticamente -sem indagar por que Serra não tornou esse fato público antes-, o jornal prestou um serviço ao tucano: permitiu que criticasse Lula, sem o ônus de atacar, na televisão, um presidente tão popular.
Não será tarefa fácil descobrir quem deu a ordem para levantar os dados de Verônica Serra, porque o principal personagem -o contador- tem se revelado um escroque, exigindo dinheiro para dar entrevistas e fazendo troça de seus minutos de celebridade.
A
Folha não paga por informação, entrevista nem para que alguém pose para foto -e faz muito bem. Na hora em que o talão de cheques entra em cena, a confiabilidade da apuração cai por terra. É verdade que nenhuma informação passada a jornalistas é desinteressada, mas a motivada por dinheiro é a mais frágil de todas.
Sem por a mão no bolso e sem esperar revelações dos candidatos, a
Folha está diante do desafio de achar o vilão desse enredo antes de 3 de outubro. Depois da eleição, o escândalo da filha do presidenciável se juntará ao dos aloprados e tantos outros, que estão hoje esquecidos ou foram atropelados por novas baixarias políticas.