quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Governo e imprensa

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, não recua na busca de levar os principais jornais do país à justiça, num cenário de ruptura com a imprensa local. Apesar das publicações de críticas de antidemocrático, o governo se posiciona com firmeza, o que poderá criar mudanças na estrutura dos meios de comunicação argertinos.

Texto publicado pelo Jornal Folha de S. Paulo quarta-feira, em 22 de setembro de 2010.


Cristina aponta "crimes" de donos de jornais
Argentina apresenta denúncia em que acusa os proprietários de "La Nación" e "Clarín" de homicídio e tortura

Casa Rosada diz que delitos foram cometidos nos anos 70, durante processo de compra de empresa de papel-jornal

GUSTAVO HENNEMANN
DE BUENOS AIRES
O governo argentino da presidente Cristina Kirchner apresentou ontem uma denúncia formal à Justiça contra os dirigentes dos jornais "Clarín" e "La Nación", maiores veículos impressos do país, por crimes contra a humanidade ocorridos supostamente em 1976.
Conforme a denúncia, os delitos de "homicídio, extorsão, privação ilegítima de liberdade, tortura e associação ilícita" foram cometidos pelos dirigentes em cumplicidade com o último regime militar argentino (1976-1983) durante a negociação da empresa Papel Prensa.
Atualmente a fábrica produz 75% do papel-jornal consumido no país.
As ações da empresa que hoje pertencem aos jornais denunciados foram compradas na época da família Graiver, vítima da repressão estatal durante a ditadura.
Na versão do governo, os integrantes da família sofreram "intimidações e ameaças" que os obrigaram a assinar os contratos de venda.
Apesar de terem sido presos pelos militares somente após a negociação, a transferência das ações ocorreu quando os Graiver já estavam fragilizados e não podiam decidir, alega o governo.
O momento da prisão e as intimidações fizeram parte de um esquema "articulado pelos dirigentes dos jornais junto à cúpula do governo de fato", diz a denúncia, apresentada em nome do governo pela Secretaria de Direitos Humanos e pela Procuradoria do Tesouro -equivalente à Advocacia-Geral da União.
O documento entregue pelo governo à Justiça também apresenta relatos e testemunhos que consideram os jornais "Clarín" e "La Nación" meios de comunicação "associados com a ditadura" que foram "beneficiados" pelo "aparato clandestino de terrorismo do Estado" em outros negócios posteriores.
Ao denunciar os jornais, o governo se associou como denunciante a integrantes da família Graiver em um processo que já tramita em um tribunal de La Plata (Província de Buenos Aires). Nele investiga-se a negociação da Papel Prensa.
Junto com as informações que tentam incriminar os dirigentes dos jornais e ex-governantes do regime militar, o governo pediu à Justiça que interrogue os principais acionistas do jornal "Clarín", Ernestina Herrera de Noble e Héctor Magnetto, e o diretor de redação do "La Nación", Bartolomé Luis Mitre.
O pedido de interrogatório também se estende aos ex-dirigentes militares, em maioria já presos.

PLANO CONCRETIZADO
A denúncia concretiza o plano da presidente Cristina Kirchner, que mantém uma guerra declarada contra os dois jornais. Ambos os veículos adotaram uma linha editorial contrária ao governo em 2008.
Cristina já havia anunciado a intenção de processar os dirigentes dos dois diários no mês passado em um evento público.
Em um comunicado, os dois jornais afirmaram ontem que não houve delito algum na aquisição da Papel Prensa e que, em 27 anos de democracia, nunca surgiu outra denúncia semelhante.
A atitude do governo é "uma aberração moral e jurídica" que tenta intimidar veículos que não são alinhados politicamente, diz a nota.
"O governo insiste em mentir, reescrever a história e manipular os direitos humanos como ferramenta de perseguição e represália", afirma ainda o texto.

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