domingo, 30 de maio de 2010

Fim dos Democratas?

Muito criticada pelos críticos ligados ao governo federal, Eliane Cantanhêde, que em vários artigos se posiciona a favor dos tucanos, descreve em sua análise de domingo a situação difícil do DEM se Dilma Rousseff vencer as eleições presidenciais deste ano. Sem dúvida na América Latina há movimentos no sentido de maior participação social nos desígnios políticos dos países. Muitos partidos considerados de direita vêm perdendo terreno no universo eleitoral, como exemplo no Brasil, a redução dos democratas e pepebistas. Não é sem razão a defesa dos candidatos brasileiros que, mesmo sendo de direita, se posicionam como sendo de esquerda, muitas vezes favorável a uma independência em relação aos países centrais - leia-se Estados Unidos. No pano de fundo está o desejo da população para representantes voltados para a realidade cotidiana, ou seja, as dificuldades do dia a dia, apesar das riquezas aparentes globais. Texto publicado pela Folha de S. Paulo, dia 30 de maio.

Eventual vitória de Dilma vai resultar no enterro do DEM
   ELIANE CANTANHÊDE COLUNISTA DA FOLHA
Na contabilidade da oposição, uma eventual vitória de Dilma Rousseff em outubro vai somar 20 anos do PT na Presidência e resultar no enterro do DEM. Aliás, do DEM e do PPS, com sérias avarias no PSDB.
Eis a aritmética em caso de Dilma vencer: Lula oito anos, Dilma mais quatro, a volta de Lula para mais oito.
O que está em risco é a sobrevivência da oposição, pelo menos da oposição tal como configurada nestas eleições. E, com vitória ou com derrota, a palavra "fusão" corre solta entre os oposicionistas, para gerar um novo partido, mais competitivo.
O DEM foi criado como PFL em 1985, no rastro da dissidência do PDS (partido da ditadura, originário na Arena) que apoiou as Diretas Já e o oposicionista Tancredo Neves (PMDB).
A evolução do processo político após a ditadura não acolheu as siglas "de direita", espectro do PFL e agora do DEM. Assim, seus primeiros líderes não tiveram condições de concorrer à Presidência da República, a não ser em 1989, e transformaram o partido em linha auxiliar do PSDB.
Jorge Bornhausen (SC), presidente do PFL na maior parte da vida do partido, encerrou a carreira política; Marco Maciel (PE) teve seus oito anos de glória como vice de Fernando Henrique Cardoso (PSDB); o baiano Antonio Carlos Magalhães, que sempre andou em faixa própria, muitas vezes na contramão dos caciques, morreu em 2007.
A segunda geração, no DEM, demonstra inexperiência política e falta de instrumentos para disputar a linha de frente, seja a Presidência, sejam os governos estaduais.
O presidente é Rodrigo Maia (filho de César Maia, ex-prefeito do Rio). O ex-líder na Câmara era ACM Neto (neto do cacique baiano). O atual é Paulo Bornhausen (filho do ex-presidente do PFL). Os sobrenomes ficaram, mas a força política murchou.
Na geração intermediária, a resistência está ainda no Nordeste: senador José Agripino Maia (RN), deputado José Carlos Aleluia (BA), ex-governador Paulo Souto. Nada no Rio de Janeiro, em Minas, em São Paulo.
As maiores esperanças eram José Roberto Arruda, governador do DF, e Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo. Arruda saiu da política para a cadeia na crise do mensalão do DEM. Kassab foi um bom candidato, mas é um prefeito sob críticas.
O DEM, agora, só tem uma alternativa: a vitória ou a vitória de José Serra. Do contrário, vira coisa do passado.

Direitos humanos para a democracia

A discussão em torno dos direitos humanos parece, ao longo dos anos, não surtir qualquer efeito, apesar do atos gritantes contra a humanidade. No mundo, as diferenças econômicas saltam aos olhos como um crime contra a sociedade, dita moderna e tecnologizada, a qual teria condições de oferecer alimentos a todos os cidadãos globais. As guerras provocadas pelas potências mundiais sempre em busca do domínio da hegemonia de poder responde a falta de responsabilidade com o homem em função do capital, que ganha, sobremaneira, em importância. No Brasil, apesar do avanço econômico, a diferença entre ricos e pobres continua aviltante, o que resulta em falta de oportunidade para uma maioria, diferentemente, do que ocorre para uma minoria, geralmente com origem em estrutura financeira avantajada. Vale uma reflexão, se considerar o momento de mudanças de paradigmas e uma população mais participativa. texto publicado pela Folha de S. Paulo, domingo, 30 de maio.

Falta compromisso com direitos humanos 
MARCIA POOLE


O Brasil tem desenvoltura cada vez maior em questões econômicas, mas ainda não mostra sua liderança no campo de direitos humanos


"O Brasil decolou", afirmou o influente semanário britânico "The Economist" em novembro do ano passado. Coincidência ou não, o perfil do país só faz crescer.
Se o Brasil age com desenvoltura cada vez maior nas questões econômicas ou de política internacional, existe uma área em que o país ainda está por demonstrar liderança -os direitos humanos.
No relatório anual sobre a situação dos direitos humanos em todo o mundo, publicado no dia 27, a Anistia Internacional ressalta os ganhos em 2009, como o ex-presidente peruano Alberto Fujimori ter sido condenado por crimes contra a humanidade.
Na Argentina, o último presidente militar, Reynaldo Bignone, foi condenado por sequestro e tortura.
No Camboja, um dos mais notórios líderes do Khmer Vermelho, o camarada Duch, enfim respondeu por crimes contra a humanidade, cometidos há mais de 30 anos.
Mas a organização também aponta para um grande vácuo na Justiça mundial, criado pelas manobras políticas dos países mais poderosos.
Por exemplo, os EUA e países europeus usam sua posição no Conselho de Segurança da ONU para proteger Israel das consequências das violações que cometeu em Gaza no ano retrasado (diga-se, por sinal, que o grupo armado palestino Hamas também ainda não respondeu pelos abusos cometidos).
A União Africana se recusa a cooperar com o Tribunal Penal Internacional no caso do presidente sudanês Omar al Bashir, indiciado por supostos crimes contra a humanidade. Milhões de pessoas, principalmente mulheres e crianças, ainda sofrem por causa da pobreza, da fome, da doença e da violência.
A Anistia Internacional convoca o G20 a dar o exemplo, promovendo toda a gama dos direitos humanos e demonstrando que ninguém está acima da lei.
Quando da crise financeira mundial, o presidente Lula disse que o empréstimo ao FMI dava ao país a autoridade moral para pressionar por reformas na instituição.
Do mesmo modo, a voz do Brasil terá maior credibilidade se puder apontar para um quadro positivo com relação aos direitos humanos.
As reformas, ainda que limitadas, na área de segurança pública, são um bom começo. Mas ainda restam muitos problemas graves, como as execuções extrajudiciais, a violência policial, as condições do sistema penitenciário e a impunidade dos que cometeram abusos contra os direitos humanos, inclusive durante a ditadura.
É preciso que os candidatos presidenciais se comprometam a priorizar os direitos humanos, de modo que o Brasil possa usar seu status de potência emergente para avançar com a pauta dos direitos humanos em foros internacionais. Na próxima semana, acontece em Kampala, Uganda, a primeira reunião de revisão do estatuto do Tribunal Penal Internacional. Uma boa oportunidade para o Brasil promover o sistema de Justiça internacional e tentar persuadir, por exemplo, a China e os Estados Unidos a se tornarem membros do tribunal.
Valendo-se do progresso que tem feito com relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, sobretudo na redução da pobreza, o Brasil deve propor, durante a reunião de alto nível a realizar-se na ONU em setembro, que os direitos socioeconômicos básicos, como o direito à saúde, à moradia e à educação, não sejam só aspirações políticas, mas tenham força de lei. Essa agenda é, sem dúvida, ambiciosa, mas não está fora do alcance do Brasil. Afinal de contas, quem teria apostado que, em 2009, o Brasil emprestaria dinheiro ao FMI?

MARCIA POOLE é diretora-geral de comunicação da Anistia Internacional, sediada em Londres.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

TERRAS PARA BOIS

A política por mais terras continua sendo uma das formas de expansão de latifundiários brasileiros, que ao longo do tempo veem aumentando suas posses em detrimento dos interesses sociais e até mesmo da preservação da natureza. O mais grave, promovem a expulsão de pequeno agricultores e culturas nativas que cada vez mais assistem a invasão dos chamados grandes produtores, que na prática travam verdadeiras batalhas por grandes áreas para a criação de bois. Neste sentido nem sequer a Amazônica escapa da sede de aumento de divisas dos fazendeiros. Talvez fosse o caso da justiça interceder em favor das famílias do campo e dos interesses do país e não somente de manter a propriedade privada, que neste caso, muitas vezes grilada. Abaixo texto publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, em 26 de maio de 2010.

A querela das terras de quilombos 

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA


Quem está limitando o acesso às terras a "quem quer produzir" não são os quilombolas, e sim a parte mais atrasada da pecuária

Está de volta, como de hábito às vésperas de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, uma velha campanha. Segundo seus promotores, as terras que são destinadas a quilombos (desta feita, é delas que o Supremo vai tratar), a índios e a unidades de conservação diminuiriam ainda mais o já pequeno território brasileiro acessível a "quem quer produzir".
Como, entre essas terras subtraídas a "quem quer produzir", são também contabilizadas as cidades, conclui-se que esses promotores desejam transformar o Brasil numa grande fazenda. Voltaríamos às capitanias hereditárias?
Mas olhemos mais de perto. Analisando as áreas de conservação ambiental e as áreas indígenas, o Ipea, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, publicou, em dezembro de 2009, um estudo cujo título já diz tudo: chama-se "Unidades de Conservação e o Falso Dilema entre Conservação e Desenvolvimento".
E, para quem acha que há áreas de conservação demais no Brasil, lembra que percentualmente à nossa parte do bioma floresta amazônica, estamos bem atrás de Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia.
Segundo a análise que o IBGE faz do último Censo Agropecuário, a concentração de terras pouco se alterou entre 1985 e 2006: a pequena propriedade rural, menor do que 10 hectares, que representa quase metade do número de propriedades, ocupa 2,7% da área total de estabelecimentos rurais.
No outro extremo, a grande propriedade, aquela acima de mil hectares, ocupa 43%. Se esta é mais rentável no absoluto, a pequena propriedade é mais racional no uso da terra e proporciona uma melhor distribuição de renda.
Não só também "produz", mas sabe-se que ela é quem garante a segurança alimentar no Brasil.
Mas vejamos como se distribui, quanto a terras, o agronegócio.
O professor Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agricultura da USP, de Piracicaba, desenvolveu pesquisas com colaboradores brasileiros e suecos, que serviram para que a associação brasileira da indústria da cana-de-açúcar defendesse, diante da União Europeia, a compatibilidade da expansão do cultivo da cana com os compromissos ambientais do país.
Em um artigo publicado em 2007, Sparovek e seus colaboradores relembram que quem se apropria da maior parte das terras cultiváveis brasileiras é a pecuária.
Um estudo de 2003, de Cardille e Foley, mostrou que, entre 1980 e 1995, dos 25 milhões de hectares deflorestados, 54% tinham sido convertidos em pastos, e só 7% serviam para cultivo. Em 1995, a pecuária ocupava 73% do espaço agrícola.
A criação de gado bovino, essa grande responsável pelo desmatamento na Amazônia, continua sendo feita de maneira extensiva, com uma densidade inferior a um boi por hectare!
Segundo o IBGE, o gado confinado ou semiconfinado não passava de 2,5% do total de gado em 2005.
O subsídio implícito da grilagem de milhões de hectares na Amazônia torna mais rentável, como mostrou o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a criação extensiva do que o confinamento ou semiconfinamento. Mas rentável não equivale a racional.
Quem está limitando o acesso às terras a "quem quer produzir" não são, portanto, os índios, os quilombolas, as unidades de conservação e a pequena propriedade rural, e sim a parte tecnologicamente mais atrasada e predatória da pecuária.
O resto é conversa para boi dormir, ou melhor, para influenciar o Supremo.

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA é antropóloga, professora titular aposentada da Universidade de São Paulo e da Universidade de Chicago. É membro da Academia Brasileira de Ciências.

terça-feira, 25 de maio de 2010

RESULTADOS DA CONFECOM!

No final do ano passado governo, empresário, jornalistas e pessoas ligadas aos meios de comunicação estiveram mobilizadas para discutir a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), com amplo debate, no sentido de definir rumos para a política de comunicação brasileira. Embora, da ausência dos grandes empresários das principais empresas, nas reuniões foram definidas propostas importantes, as quais sinalizam para a busca de uma sociedade democrática e participativa, ao invés da concentração de poder em algumas famílias brasileiras, detentoras de emissoras de Rádio e TV. Contudo, os resultados ainda estão sendo esperados, mesmo considerando a pressão exercida por aqueles que desejam manter a atual estrutura comunicacional. Abaixo análise sobre o tema.Texto publicado pela Revista Carta Maior, acessada dia 25 de maio de 2010.

O que aconteceu com as propostas da Confecom?

Decorridos mais de cinco meses do término da CONFECOM, o que aconteceu com as 672 propostas aprovadas? Até agora, rigorosamente nada. Entre nós é assim que funciona. A realização da conferência provocou reação “barulhenta” na grande mídia, mas corre-se o risco de que seus resultados concretos sejam nulos. 

Chega a ser intrigante a velocidade com que temas de interesse público são omitidos ou desaparecem da agenda de debates no nosso país. As propostas aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), realizada entre 14 e 17 de dezembro de 2009, certamente constituem um caso emblemático.

Enquanto a cada semana pipocam no Rio e/ou São Paulo seminários patrocinados, em sua maioria, pela grande mídia para discutir as ameaças autoritárias à liberdade de expressão, a CONFECOM só entrou na pauta para ser devidamente satanizada. E não se falou mais nisso.

Propostas
Quais, afinal, foram as propostas que, segundo o Jornal Nacional, teriam levado os empresários de mídia a boicotar a conferência e acabaram sendo aprovadas estabelecendo “uma forma de censurar os órgãos de imprensa, cerceando a liberdade de expressão, o direito à informação e à livre iniciativa, que são todos previstos na Constituição” (cf. http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL1419610-10406,00-CONFERENCIA+COMUNICACAO+QUER+CRIAR+OBSERVATORIO+DE+MIDIA+E+DIREITOS+HUMANOS.html ) ?

Para reavivar nossa memória, valho-me de relação feita pelo Coletivo Intervozes e reproduzo abaixo 13 das principais propostas “ameaçadoras” aprovadas pela CONFECOM:

1. A afirmação da comunicação como direito humano, e o pleito para que esse direito seja incluído na Constituição Federal;

2. A criação de um Conselho Nacional de Comunicação que possa ter caráter de formulação e monitoramento de políticas públicas ;

3. O combate à concentração no setor, com a determinação de limites à propriedade horizontal, vertical e cruzada ;

4. A garantia de espaço para produção regional e independente;

5. A regulamentação dos sistemas público, privado e estatal de comunicação, que são citados na Constituição Federal mas carecem de definição legal, com reserva de espaço no espectro para cada um destes ;

6. O fortalecimento do financiamento do sistema público de comunicação, inclusive por meio de cobrança de contribuição sobre o faturamento comercial das emissoras privadas ;

7. A descriminalização da radiodifusão comunitária e a abertura de mais espaço para esse tipo de serviço, hoje confinado a 1/40 avos do espectro;

8. A definição de regras mais democráticas e transparentes para concessões e renovações de outorgas, visando à ampliação da pluralidade e diversidade de conteúdo ;

9. A definição do acesso à internet banda larga como direito fundamental e o estabelecimento desse serviço em regime público, que garantiria sua universalização, continuidade e controle de preços;

10. A implementação de instrumentos para avaliar e combater violações de direitos humanos nas comunicações ;

11. O combate à discriminação de gênero, orientação sexual, etnia, raça, geração e de credo religioso nos meios de comunicação ;

12. A garantia da laicidade na exploração dos serviços de radiodifusão ;

13. A proibição de outorgas para políticos em exercício de mandato eletivo.

O que aconteceu?

Decorridos mais de cinco meses do término da CONFECOM, o que aconteceu com as 672 propostas aprovadas? Até agora, rigorosamente nada.

Entre nós é assim que funciona. A realização da CONFECOM provocou reação “barulhenta” na grande mídia, mas corre-se o risco de que seus resultados concretos sejam nulos.

Na hora de transformar proposta em ação, entram em campo os atores que de facto são determinantes na formulação das políticas públicas do setor de comunicações e os não-atores ficam, como sempre, excluídos. Historicamente tem sido assim.

Louve-se, portanto, a audiência pública que, atendendo a requerimento da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), será realizada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, na terça-feira (25/05), para tratar do assunto.

Sem pressão da sociedade organizada que luta pelo reconhecimento do direito à comunicação, nem o Legislativo nem o Executivo respeitarão o resultado da CONFECOM.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

IMPÉRIO E TERROR

Não é possível a existência de uma sociedade global sem diferenças que levem a discussões. A busca pela guerra com objetivos econômicos ou políticos é nefasta para a construção de uma humanidade em que a democracia e direitos humanos sejam respeitados. Afinal, não há possibilidade de viver em um mesmo planeta sem haver diálogo entre nações, trocas de informações e acordos em várias áreas. A rigor, o imperialismo não poderá se perpetuar num espaço que é comum a todos, ademais, onde as  comunidades cada vez mais se avizinham com as novas tecnologias. Abaixo texto publicado pelo Jornal Diário da Manhã, em 24 de maio de 2010.


Lula inaugura a diplomacia da nova era 

Leonardo Boff

O acordo alcançado por Lula e pelo primeiro ministro turco com o Irã a respeito da produção de urânio enriquecido para fins pacíficos possui uma singularidade que convem enfatizar. Foi alcançado mediante o diálogo, a mútua confiança que nasce do olho no olho e a negociação na lógica do ganha-ganha. Nada de intimidações, de imposições, de ameaças, de pressões de toda ordem e de satanização do outro.
Essa era e continua a sendo a estratégia das potências militaristas e imperiais que não se dão conta de que o mundo mudou. Elas estão encalacrados no velho paradigma do big stick, da negociação com o porrete na mão ou  da pura e simples intervenção para a qual tudo vale, a mentira deslavada como no caso da guerra injusta contra o Iraque, a violência militar mais sofisticada contra um dos países mais pobres do mundo como o Afeganistão ou os conhecidos golpes armados pela CIA em vários paises, nomeadamente na América Latina.
Curiosamente, esta estratégia nunca deu fruto  nenhum  em nenhum lugar. Os USA estão perdendo todas as guerras,  porque ninguém vence um povo disposto a dar a sua vida e até suscitar “homens-bomba” para enfrentar um inimigo armando até os dentes mas cheio de medo e exposto à vergonha e à irrisão mundial. O que conseguiram foi alimentar raiva, rancor e espírito de vingança, fermento de todo o terrorismo.
A maior ameaça para  estabilidade mundial hoje são os EUA pois a ilusão de serem “o novo povo eleito” - pois assim reza o “destino manifesto” que os neocons, muito fortes, como Bush, acreditam piamente - faz com que se sintam no direito de intervir em todo o mundo. Pretendem levar os direitos humanos quando os violam vergonhosamente, querem impôr a democracia quando, na verdade, criam uma farsa, visam abrir o livre mercado para suas multinacionais para que livremente possam explorar a riqueza do pais, seu petróleo e seu gás.
A diplomacia de Lula se contrapõe diretamente àquela do Conselho de Segurança e a de Barack Obama. A de Lula olha para frente e se adequa ao novo. A de Barack Obama olha para traz e quer reproduzir o velho.
O paradigma velho supõe que haja uma nação hegemônica e imperial, no caso o USA. Esta se rege pelo paradigma do inimigo, bem na linha do teórico da filosofia política que fundamentou os regimes de força como fez com o nazismo, Carl Schmitt (+1985). Em seu livro O Conceito do Politico claramente diz:”a existência política de um povo depende de sua capacidadede definir quem é amigo e quem é inimigo, o inimigo deve ser combatido e psicologicamente deve ser desqualificado como mau e feio”. Não fez exatamente isso Bush chamando os países donde vinham os terroristas de “paises canalhas” contra quem se deve fazer uma “guerra infinita”? Éssa argumentação é sistêmica e funciona ainda hoje na cabeça dos dirigentes norteamericanos. Políticas inspiradas nesse paradigma ultrapassado podem levar a cenários dramáticos com o sério risco de destruir o projeto planetário humano. Esse paradigma é belicista, reducionista e míope pois não percebe as mudanças históricas que estão ocorrendo na linha da fase planetária da história que exige estratégias de cooperação visando proteger a Terra e cuidar da vida.
O paradigma novo, representado por Lula, assume a singularidade do atual momento histórico. Mudou nossa percepção de fundo: somos todos interdependentes, habitando juntos na mesma Casa Comum, a Terra. Ninguém tem um futuro particular e próprio. Surge um destino comum globalizado: ou cuidamos da humanidade para que não se bifurque entre os que comem e os que não comem e protegemos o planeta Terra para que não seja dizimado pelo aquecimento global ou então não teremos futuro algum. Estamos vinculados definitavamente uns aos outros.
Lula em sua fina percepção pelo novo, agiu coerentemente: não se pode isolar e castigar o Irã. Importa traze-lo à mesa de negociação, com confiança e sem preconceitos. Essa atitude de respeito trará bons frutos. E é a única sensata nesta nova fase da história humana. Lula aponta e inaugura o futuro da nova diplomacia, a única que nos garantirá a paz.

Leonardo Boff é teólogo

quarta-feira, 19 de maio de 2010

TV E ENTRETENIMENTO

O entretenimento permanece a linha da programação da TV brasileira, com poucos instantes de informações que permitem a sociedade conhecer sua realidade, sempre complexa num sistema econômico e político dirigido por grupos hegemônicos, em detrimento de uma maioria. Contudo, torna-se importante lembrar a importância das emissoras públicas que produzem bons programas, mas de baixa audiência. Desta forma, seguimos o caminho de pouca notícia e muita festa eletrônica na telinha. Abaixo texto publicado pela Revista Carta Maior, acessado em 19 de maio de 2010.

A mágica da TV

O Brasil é um dos poucos grandes países do mundo cuja TV não apresenta sequer um programa de debates políticos em suas redes nacionais. Continuamos seguindo o modelo descrito por Bourdieu: uma TV que mostra o irrelevante para esconder o que interessa.
A meu ver, quem melhor definiu a manipulação televisiva foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Ele a comparou ao mágico que, no palco, chama atenção para uma de suas mãos agitando um lenço enquanto com a outra, disfarçadamente, tira as moedas (ou a pomba) da manga. A TV, para ele, faz a mesma coisa. Destaca o supérfluo para esconder o essencial. Isso é todo dia. Mas, no Brasil, quando tem seleção de futebol no meio chega as raias do insuportável.

Na última semana, a entrevista do técnico Dunga contando as razões que o levaram a chamar este ou aquele jogador para a seleção ocupou horas e horas das diversas programações. Sem falar nos comentários abalizados dos diversos especialistas. Não que num país como nosso a convocação do escrete não seja importante. Mas tudo deveria ter um certo limite. Afinal quanta coisa muito mais relevante para sociedade não poderia estar sendo mostrada naqueles horários, sem que o público deixasse de saber quais os craques que irão representar o Brasil na África do Sul. Dou um exemplo.

Manhã de quarta-feira, 12 de maio. Na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, milhares de trabalhadores rurais vindos de todos os cantos do país se reúnem para dar início à 16a. edição do Grito da Terra Brasil, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Em seguida fazem um protesto contra a bancada ruralista em frente ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e encaminham uma pauta com mais de duzentas reivindicações ao presidente Lula. À tarde se concentram em frente ao Ministério do Trabalho e depois vão ao Congresso Nacional, onde encerram a manifestação.

Na pauta dos trabalhadores rurais está o combate ao trabalho escravo e a revisão do Código Florestal que permite o uso do FGTS para compra de imóveis rurais. À noite o Jornal Nacional, o único informativo da maioria da população brasileira, dedicou exatos 15 segundos ao assunto. O seu apresentador disse o seguinte: “Trabalhadores rurais foram hoje a Brasília para a Manifestação do Grito da Terra. Na Esplanada dos Ministérios, eles pediram mais recursos para a agricultura familiar e a reforma agrária. Foram recebidos pelo presidente Lula, que prometeu mais dinheiro para o setor”. E só. Nada sobre os ruralistas, o trabalho escravo e o Código Florestal.

Um dia antes, no mesmo jornal, o técnico Dunga sentou-se na bancada, ao lado dos apresentadores, e discorreu sobre suas decisões por nada menos do que seis minutos e 54 segundos. E para os dias seguintes eram prometidas reportagens especiais com cada um dos 23 jogadores por ele convocados. O supérfluo – a mão que balança o lenço – segue firme no ar, com o futebol recebendo generosos espaços para longas entrevistas, amplas discussões e análises aprofundadas, acompanhadas de replays, tira-teimas, gráficos e alentadas estatísticas. Você já imaginou o que seria deste país se todo esse empenho fosse dedicado também ao essencial? Se o Grito da Terra Brasil servisse de gancho (como se diz no jargão jornalístico) para análises da questão fundiária com o mesmo tempo e a mesma tecnologia destinadas ao futebol?

O Brasil é um dos poucos grandes países do mundo (em tamanho e importância política) cuja televisão não apresenta sequer um programa de debates políticos em suas redes nacionais. Há algumas entrevistas, poucas e mal ajambradas do tipo Roda Viva e Canal Livre. Debate que é bom, nada. Continuamos seguindo direitinho o modelo descrito por Bourdieu: uma televisão que esconde, mostrando. Mostra o irrelevante para esconder o que interessa.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Belo Monte e a modernidade

A Usina Belo Monte construída na Amazônica vem gerando discussões acaloradas na sociedade, principalmente nos formadores de opinião. Há por um lado pessoas bem intencionadas, como intelectuais preocupados com o ecossistema, com os nativos e a degradação da principal floresta do mundo. Há que pensar sobre o tema com cuidado. Entretanto, existe por outro interesses econômicos e políticos, do governo e sobretudo de uma classe hegemônica que vê no projeto a estatização socialista de Estado, o que não faz o menor sentido. Afinal, o pano de fundo é exatamente a defesa de uma ordem econômica do livre mercado. O que não pode esquecer, em suma, é que o Brasil, a exemplo de grande parte do mundo, vive numa sociedade do consumo, o que exige cada vez mais energia elétrica, o provoca inevitavelmente destruição da natureza. Para tanto, basta analisar o que ocorre nos países desenvolvido, que sobrou com muito pouco da natureza. Abaixo mais um ponto de vista sobre a discussão. Texto publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, dia 19 de maio de 2010.

Belo Monte, a floresta e a árvore
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE



Se o Brasil for impedido de ampliar o aproveitamento do potencial hidroelétrico, então será forçado a recorrer ao uso de combustível fóssil

QUE CARNAVAL estão fazendo os ambientalistas e ecopalermas em torno da futura usina de Belo Monte, a ser implantada no médio Xingu, na Amazônia.
O primeiro crime, segundo eles, seria o sacrifício de 500 km 2 de mata, ou seja, a mesma área que, em média, tem sido desmatada a cada dois dias neses últimos anos, devido ao comércio de madeiras e à invasão da soja e do gado na Amazônia.
Esse exército extemporâneo de Brancaleone é composto de conservacionistas de diversas espécies.
Além de uma tribo de índios locais e de bem-intencionados, porém mal informados, estudantes e intelectuais, veem-se artistas de Hollywood e de outras culturas, malabaristas, fanfarrões e pseudointelectuais.
Será que esses senhores deixaram de comprar móveis de mogno, ou se manifestaram perante seus governos, ou boicotaram a carne e a soja produzidas na Amazônia?
Será que percebem que a área alagada pelo projeto Belo Monte corresponde a tão somente 0,01% da Amazônia brasileira e que bastariam 0,025% do rebanho nacional de gado para invadi-la, dentro da média atual de ocupação?
Ou seja, da maneira como está planejada Belo Monte, usina de fio d'água, não há no Brasil melhor opção do ponto de vista de sustentabilidade, que combine condições ecológicas e também financeiras.
Alguns talvez argumentem que, somando vários 0,01% do território da Amazônia, então se ocuparia parcela apreciável do território amazônico.
Ah, que bênção seria se tivéssemos mais uma meia dúzia de Belo Montes! Mas, infelizmente, não existem tais riquezas. Tudo bem, vão dizer os mais inteligentes e bem-intencionados "ignocentes" (neologismo composto por 50% de inocência + 50% de ignorância), mas e a biodiversidade?
Ora, qualquer espécie que esteja espontaneamente restrita a um território de 500 km 2, excetuando-se algumas confinadas a pequenas ilhas, já está em extinção. Só um ignorante pode pensar em perda de biodiversidade nessas circunstâncias.
E é claro que muitos espécimes vão sucumbir, milhares, se não milhões de formigas, carunchos e talvez até alguns mamíferos. Em compensação, 20 milhões de brasileiros poderão ter luz em suas casas, muitos outros locais passarão a ter benefícios do progresso, poderão ver pela TV o "Programa do Ratinho".
Indústrias geradoras de emprego serão implantadas. É isso que os "ignocentes" não percebem. Eles veem a árvore, mas não percebem a floresta onde ela está inserida, sem a qual não pode a árvore sobreviver.
Quanto à questão social, é preciso lembrar que o caso de Belo Monte é muito diferente do de Três Gargantas, na China, onde a densidade da população ribeirinha era extremamente elevada. O governo chinês admite que precisou realocar 1 milhão de habitantes; outras organizações falam em 2 e até 3 milhões.
Em contraste, considera-se que, em Belo Monte, apenas dois ou três milhares de habitantes são computados e que, na mudança, ganhariam significativamente quanto a infraestrutura e conforto pessoal. Os índios da região amazônica são, em origem, seminômades, deslocando-se periodicamente sempre que recursos naturais se escasseiem devido ao extrativismo a que eles mesmos recorrem.
Portanto, dos pontos de vista cultural, psicológico e até mesmo material, contrariamente ao que pretendem alguns ambientalistas, o índio pouco ou nada sofrerá.
Vejamos por que são tão ingênuos esses bem-intencionados verdolengos. Se o Brasil for impedido de ampliar o aproveitamento do seu potencial hidroelétrico, será forçado a recorrer ao combustível fóssil, pois a energia eólica, embora desejável sob vários aspectos de sustentabilidade, não oferece segurança de fornecimento acima de certo nível de participação em um sistema integrado.
Além do mais, a distribuição de ventos pode mudar com as inexoráveis mudanças climáticas, devido ao aquecimento global. E, se jamais o pré-sal vier a se concretizar, não haverá como convencer os líderes governamentais de que usinas termoelétricas a óleo combustível serão prejudiciais à humanidade.
Será que tais ambientalistas não percebem que não deixam alternativa ao país senão o uso de combustíveis fósseis, o que acarretará, inelutavelmente, embora a longo prazo, a desertificação da Amazônia, dentre outras catástrofes?
Com isso, não será apenas a meia dúzia de saimiris que perecerá nos 500 km 2 da usina Belo Monte, mas toda, ou quase toda, a biodiversidade da Amazônia e do resto do planeta.
Não percebem esses "ignocentes" que a usina e suas eventuais congêneres constituem a melhor arma que têm o Brasil e a humanidade para combater o aquecimento global e, com isso, defender a integridade da floresta Amazônica e das demais matas de todo o planeta?

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE , 78, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.

domingo, 16 de maio de 2010

A disputa entre os candidatos a presidência da república, não poderia ser diferente, é acirrada e exige muita habilidade de ambos. No entanto, segue uma luta constante nos bastidores que envolve a participação forte da imprensa no agendamento dos assuntos favoráveis a um candidato e contra adversários. Verdade que a maioria da grande mídia, e boa parte da pequena, reproduzem o pensamento liberal, qual seja, de um Estado mínimo e um mercado capaz de promover a democracia. O pano de fundo é na realidade interesses particulares que estão em jogo. Desta forma o Jornalista Bahiano Emiliano José publica análise do candidato José Serra, afirmando que o tucano simplesmente repetirá o plano de governo de Fernando Henrique Cardoso, que deixou o executivo criticado pela opinião pública. Texto publicado pela Revista Carta Capital on-line, acessada dia 16 de maio de 2010.


Serra: o anti-Lula
14/05/2010 13:41:07

Emiliano José

As eleições deste ano apresentam um quadro curioso: o candidato da oposição tenta ser situação. Faz um esforço danado para não se contrapor ao presidente Lula. Quer fazer a simulação de que a disputa se dará entre pessoas, entre ele e a candidata do governo, Dilma Roussef. Ao menos tem sido essa a movimentação do ex-governador de São Paulo, José Serra, mesmo que oriente seus cães de guarda para bater no presidente e em sua política, resguardando alguns pontos que considera imbatíveis, como o Bolsa-Família, por exemplo. Serra faz das tripas coração para não ter parecença com o anti-Lula. Quer individualizar a campanha, evitar a todo custo o confronto de projetos nacionais. Será que essa estratégia tem futuro? Não creio.

Serra é o anti-Lula, por obviedade. Lidera um projeto diverso daquele que vem sendo executado pela atual conformação de forças no poder, liderada pelo Partido dos Trabalhadores. Serra é o líder de um conjunto de forças sociais e políticas que representa inegavelmente o pensamento neoliberal no Brasil, pensamento que ganhou consistência exatamente nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso, cujo personagem virou quase maldito hoje nas hostes do PSDB. Querem escondê-lo, mitigar o discurso dele, evitar que ele fale exatamente por conta da estratégia serrista. Se Collor foi o marco inaugural do neoliberalismo tardio no Brasil, o PSDB, com FHC à frente, Serra então como ministro, foi o verdadeiro condutor desse projeto no País.

O PSDB foi competente na condução da política neoliberal, isso ninguém pode esconder. Collor foi uma figura tosca, sem consistência, dada ao espetáculo, embora procurasse dar os primeiros passos para fazer avançar o pensamento neoliberal no Brasil. Caiu da forma que se sabe, e não compensa gastar mais tempo para explicar o episódio do impeachment. O neoliberalismo, com sua face cruel, fria, perversa veio com toda carga sob a direção do PSDB, e seu condottiere foi exatamente FHC. Durante os oito anos do PSDB, quase que o País vai à falência. Com a ideia básica de que o mercado tudo pode, com a afirmação do Estado mínimo, fez-se a privatização criminosa que se conhece, endividou-se o País da forma que se sabe, nos colocaram de joelhos diante do FMI, tudo com as graves consequências sociais, por demais conhecidas.

O governo Lula, e não poderia ser diferente, fez o contrário disso. O projeto encabeçado pelo PT, cuja execução iniciou-se em 2003, com a posse de Lula, que eu prefiro chamar de projeto da revolução democrática, seguiu roteiro inverso ao do PSDB. Nele, o Estado passa a ter outra dimensão. Não se trata mais do Estado mínimo. Havia que se reestruturar o Estado no País, depois do furacão neoliberal peessedebista. Não é por acaso que uma das críticas centrais do PSDB ao governo seja exatamente o do “inchaço da máquina”, tradução da incorporação de milhares de pessoas via concurso para garantir serviços de boa qualidade e para assegurar capacidade técnica ao Estado para cumprir as metas de melhorar a vida do povo brasileiro.

Para o projeto da revolução democrática, não se tratava mais de usar os fundos públicos para satisfazer os apetites do grande capital, característica do governo do PSDB. Agora, tratava-se de desenvolver políticas sociais capazes de enfrentar a tragédia da profunda desigualdade social existente no País, usar os fundos públicos para isso, e garantir assim a inclusão de milhões de pessoas à cidadania ativa porque com fome é difícil exercer a cidadania. O projeto da revolução democrática leva a sério a ideia de fazer do Brasil um país justo para todos, e para tanto leva em conta a desigualdade e as disparidades de gênero, de raça e até mesmo as diferenças regionais. É dessa maneira que devem ser encarados o Bolsa-Família, o Prouni, o Pronaf, o aumento do salário mínimo acima da inflação, entre outras medidas que tem assegurado que milhões de pessoas ascendam de modo mais pleno à cidadania.

Dessa maneira, olhados os contornos dos dois projetos, seria possível reduzir o embate eleitoral apenas a um cotejamento de personalidades, como pretende Serra? Seria possível escamotear a existência de dois projetos distintos para o País? Não creio. O povo brasileiro, nas eleições presidenciais, tem votado em projetos, sem que naturalmente desconsidere as características individuais de cada candidato. Se um projeto está dando certo, se tem efetivamente melhorado a vida das maiorias, estas maiorias normalmente optam pela continuidade porque tem razões de sobra para tanto. Creio que o comando da campanha do PT sabe que não deve deixar o debate caminhar apenas para o terreno das personalidades, embora não possa deixar de tratar das tantas qualidades, dos tantos atributos de Dilma Roussef.

Serra não poderá esconder o seu programa para o Brasil. E não poderá dizer que vai continuar o governo Lula. Se o fizer, joga água no moinho de Dilma. Afinal, entre a cópia e o original, o povo preferirá o original. E mesmo que o faça, não terá credibilidade para isso. Todo mundo reconhece nele a continuidade do governo FHC, com suas adaptações para a conjuntura em que vivemos. Não poderá tentar vestir a camisa do Estado forte, como chegou a propagar no lançamento de sua candidatura, quando se sabe que o ideário dele e de seu partido está profundamente vinculado ao Estado mínimo, com todas as suas consequências. Aquela afirmação, a do Estado forte, constitui uma vacina ao programa de Dilma que, aliás, foi violentamente atacada pela mídia ao defender a mesma idéia, aí com absoluta propriedade pelo fato de o governo Lula ter, nesses dois mandatos, se oposto à mitigação do papel do Estado, não ter privatizado nenhuma empresa estatal e ter fortalecido os serviços públicos.

Serra, quando a sua equipe econômica falou à agência Reuters recentemente, deixou claro o quanto está comprometido com o programa neoliberal, ao contrário do que quer fazer parecer. Isso foi revelado em artigo de Emir Sader, publicado pela agência Carta Maior, em 6 de maio deste ano. Primeiro, ele faria um duro ajuste fiscal. Promoveria a renegociação de contratos e o corte de despesas públicas, conforme um receituário antigo do FMI. Serra é mais real do que o rei. Nem sei se o FMI, a essa altura, exigiria isso de um Brasil que tem lhe emprestado dinheiro. Seria o que os tucanos gostam de chamar de choque de gestão, sempre um choque que afeta duramente o povo, com trágicas conseqüências sociais. “As despesas da maquina pública estão sob um controle muito frouxo”, disse a fonte tucana à Reuters, que é critica também em relação ao que chama de aumento das despesas públicas.

Diz ainda a mesma fonte, que o papel dos bancos públicos será “relativizado”, um claro recado ao mercado. Aí, Serra quer dizer que seguirá o mesmo receituário do governo de São Paulo, quando ele privatizou o Banespa, e colocou a Nossa Caixa à venda, essa, para sorte do povo, resgatada pelo Banco do Brasil. Na visão tucana, o fortalecimento dos bancos públicos contribuiria para “aumentar a pressão inflacionária”. Tudo, como se vê, de acordo com o receituário neoliberal. Imaginemos nós o que seria do Brasil face à crise econômica que começou em 2008 se não contássemos com os bancos públicos.

Diz a fonte tucana que os bancos públicos “não precisam ter uma política tão protagonista neste pós-crise”. Ou seja, vamos privatizar os bancos públicos, já que não há mais crise. Se vier outra crise, e o capitalismo vive delas, bem, aí veremos o que fazer... E aí, quem sabe, fariam o mesmo que fizeram durante a gestão tucana, particularmente o desastre de 1998/99, quando quase faliram o País. Na entrevista, a fonte tucana, ecoando o pensamento serrista, diz que foram exagerados os estímulos fiscais dados pelo governo Lula durante a crise recente. “Não precisava dar para toda a linha branca e depois para os móveis”. Tucano acredita sempre que o mercado tem soluções mágicas para as crises. Tivesse, e o Estado, no mundo, não teria que intervir tão fortemente como teve de fazê-lo para fazer frente à crise.

Se alguém quiser se enganar, que se engane. Não há dúvida: o PSDB tem um projeto claro para o Brasil. Serra é a continuidade de FHC, é a continuidade daquele projeto. As biografias individuais devem ser levadas em conta, naturalmente. E não deve haver qualquer receio de comparações. Afinal, a tentativa de pretender uma Dilma inexperiente, por exemplo, é de um primarismo completo. Ela tem uma longa vida política e administrativa.

E Lula, antes, aliás, não havia ocupado nenhum cargo executivo, e se tornou o maior presidente da República que o Brasil teve. Essas comparações de biografias, no entanto, não podem nem devem ser o centro da campanha. O que temos de ressaltar é que há um projeto Lula – vamos chamar assim para efeito simbólico – com todas as suas extraordinárias e positivas conseqüências para o povo brasileiro, e um projeto Serra, neoliberal, o anti-Lula, cujo impacto negativo o Brasil conheceu e não gostou. O que está em jogo é se continua a revolução democrática em curso, ou se ela é estancada pelo projeto neoliberal, pelo anti-Lula.

sábado, 15 de maio de 2010

MERCADO E O ESTRANGEIRO

Uma discussão importante que diz respeito a comunicação mediada é a busca das empresas de comunicação para a regulamentação da participação de estrangeiros no mercado brasileiro de mídias. A luta é evidentemente por fatias de lucros e não exatamente pelo interesse em gerar informação isenta e de qualidade para a sociedade. A internet, neste contexto, torna-se um terreno pantanoso para a imposição de regras, pois se trata de um meio que ultrapassa os limites territoriais e a defesa de grupos de audiência torna-se muito complexo e sem eficácia. Texto publicado pela site Observatório do Direito à Comunicação, acessado dia 15 de maio de 2010.

Abert e ANJ acionam Ministério Público contra grupos estrangeiros




Jacson Segundo - Observatório do Direito à Comunicação
12.05.2010

As entidades que representam os interesses dos grandes meios de comunicação do país definiram um novo alvo: os portais de notícia da internet ligados a grupos estrangeiros. Depois de realizarem vários eventos sobre o tema, a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) resolveram partir para o ataque. Elas entraram com duas representações junto à Procuradoria Geral da República pedindo que o Ministério Público emita um parecer em relação a atuação de empresas estrangeiras em sites noticiosos brasileiros.

A avaliação dessas associações é que existem sites que produzem jornalismo no país que possuem mais de 30% de capital estrangeiro em suas administrações. O foco das representações são a Empresa Jornalística Econômico S.A e a Terra Networks S.A. A primeira empresa é de origem portuguesa e recentemente comprou os impressos do grupo “O Dia”. Ela edita também o jornal “Brasil Econômico”. A segunda pertence ao grupo Telefônica, da Espanha, e controla o portal Terra.

O Artigo 222 da Constituição Federal diz que a “propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País”. No parágrafo 1º, há uma definição do limite de participação de capital estrangeiro: “pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação”.

A atual redação do Artigo 222 foi definida por uma Proposta de Emenda Constitucional aprovada em 2002. À época, os grandes grupos privados de comunicação precisavam dar conta de problemas financeiros provocadas pela crise econômica do final dos anos 90 e, por isso, propuseram a mudança e fizeram forte campanha para permitir a entrada de capital estrangeiro no setor.

Para vários militantes da democratização da comunicação, esse ainda é um índice alto. Na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada no fim do ano passado, foi aprovado uma proposta de mudança na lei, que passaria o limite para até 10% de presença de capital estrangeiro em veículos brasileiros.

Agora, Abert e ANJ utilizam novamente o Artigo 222 para defender interesses de mercado, no caso, buscar restringir a competição. Argumentam que o texto refere-se a todas as empresas jornalísticas, independente do suporte que utilizam para transmitir seus conteúdos. “A Constituição é clara ao estabelecer o limite de capital estrangeiro. O espírito da lei é permitir a responsabilização pelo conteúdo editorial, a valorização da cultura e a preservação da soberania nacional”, diz o presidente da Abert, Daniel Slaviero, em nota da Assessoria de Comunicação da entidade. Segundo ele, blogs, sites e redes sociais não estariam enquadrados pelo Artigo 222 porque não tratam de atividade com fins lucrativos.

A Abert cogita até entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a prática dos sites que ela denuncia. Segundo a entidade, essa decisão dependerá da interpretação que o Ministério Público dará ao assunto. O Ministério das Comunicações tem informado que não cabe ao órgão regular a internet.

As empresas que estão sendo atacadas pela Abert e ANJ têm entendimento diferente do que está disposto na lei. “O Terra entende que o Artigo 222 da Constituição Federal não se aplica a empresas de internet, em primeiro lugar, porque não cita expressamente o meio internet. Além disso, ao contrário do que acontece com a imprensa escrita e com as empresas de radiodifusão, mencionadas expressamente no artigo, a internet não tem fronteiras, o que tornaria impossível a aplicação da restrição contida no Artigo 222 à rede mundial de computadores”, afirma a Assessoria de Comunicação da empresa.

O jornalista e diretor do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital Rodrigo Savazoni também avalia ser difícil a aplicação do Artigo 222 aos sites de conteúdo noticioso. “Internet não é radiodifusão e qualquer tentativa de estender características regulatórias da radiodifusão para a rede é um truque meramente retórico”, opina.



DIREITOS HUMANOS?

Os direitos humanos devem ser analisados a partir da liberdade e não com o olhos voltados para os interesses de instituições que dá forma ao sistema, que de longe luta pela valorização da democracia, mas de organizar os espaços sociais, conforme pensamento hegemônicos. A liberdade de comunicação não deve ser vista como direito das grandes mídias, mas deve se reconhecer os direitos humanos em repudiar as agressões e dominação permanente por meio dos discursos muitas vezes dissimulados. Texto publicado pela Revista Carta Maior On-line - acessado dia 15 de maio de 2010.

 PNDH3: a grande mídia vence mais uma

O curto período entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que militares, ruralistas, Igreja Católica e a grande mídia conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do PNDH.

O curto período de menos de cinco meses compreendido entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que as forças políticas que, de fato, há décadas, exercem influência determinante sobre as decisões do Estado no Brasil, conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (Decreto n. 7.037/2009). Refiro-me, por óbvio aos militares, aos ruralistas, à Igreja Católica e, sobretudo, à grande mídia.

Em editorial com o sugestivo título de “O Poder da Pressão”, publicado no dia 15 de maio, o jornal O Globo não poderia ter sido mais explícito. Para o jornalão carioca, os interesses dessas forças políticas são confundidos deliberadamente com “um forte sentimento coletivo” e com o interesse da “sociedade”. Afirma o editorial:

“Decorridos cinco meses do seu lançamento, o PNDH foi alvo de críticas de militares, da Igreja, de agricultores e de órgãos de comunicação, pela visão unilateral com que abordava questões polêmicas. Entre estas, a atuação dos órgãos de segurança durante o regime militar de 64, o aborto, as invasões de terra e a liberdade de expressão. (...) O recuo do Planalto não deixa de corresponder a uma vitória significativa da sociedade, cujo poder de pressão ficou evidente no episódio.”

Direito à Comunicação
No que se refere especificamente ao direito à comunicação, o novo Decreto mantém a ação programática (letra a) da Diretriz 22 que propõe "a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados". Agora, no entanto, foram excluídas as eventuais penalidades previstas no caso de desrespeito às regras definidas. Foi também excluída a letra d, que propunha a elaboração de “critérios de acompanhamento editorial” para a criação de um ranking nacional de veículos de comunicação.

Abaixo o que foi alterado:

Diretriz 22: Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos.

Objetivo Estratégico I:

Promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos.

Ações Programáticas:


Era assim:

a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.

Ficou assim:

a) Propor a criação de marco legal, nos termos do art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados.
(...)


A ação programática contida na letra d foi revogada:

d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.

O poder da grande mídia
Na verdade, os principais grupos de mídia atingiram seus objetivos em período ainda menor do que o necessário para as outras forças políticas: entre 8 de janeiro e 12 de maio, pouco mais do que quatro meses.
Na primeira data foi publicada uma Nota à Imprensa conjunta, assinada pela ABERT, pela ANJ e pela ANER. A Nota terminava afirmando:

“As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros esperam que as restrições à liberdade de expressão contidas no decreto sejam extintas, em benefício da democracia e de toda a sociedade.”

Agora, logo depois da publicação das alterações do plano (Decreto n. 7.177/2010), as mesmas entidades voltam a publicar Nota à Imprensa, dessa vez considerando “louvável” o recuo do governo.

“As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros consideram louvável a iniciativa do governo de suprimir pontos críticos que ameaçavam a liberdade de expressão do Decreto nº 7.037, que aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH 3.”

Não vou repetir aqui os argumentos de que o PNDH3 original não propunha nada que fosse inconstitucional ou que ameaçasse a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa.

Registro apenas que a realidade fala mais alto e confirma que ainda não foi dessa vez que o interesse público prevaleceu sobre os interesses da grande mídia.

E, assim, caminhamos.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010 (no prelo).

A SOCIEDADE FICA COM OS PREJUÍZOS DOS BANCOS

O Jornalista Clóvis Rossi traz análise importante sobre a estratégia do mercado financeiro em privatizar os lucros e socializar os prejuízos, a exemplo que ocorre na Europa, diante da crise da Grécia. Verdade, que este período de instabilidade no velho mundo não se resolveu, outros países parecem caminhar para depressões econômicas. Texto publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, dia 15 de maio de 2010. 

CLÓVIS ROSSI

Aqueles olhos azuis atacam de novo

Sociedade é obrigada a pagar, no Brasil e no mundo, a conta de uma crise econômica que foi provocada pelos bancos


MADRI - Anthony Giddens, ex-diretor da respeitada London School of Economics, foi o principal ideólogo do "Novo Trabalhismo" ou "Terceira Via", a fórmula que Tony Blair/Gordon Brown implantaram no Reino Unido, a partir de 1997.
Tratava-se de uma tentativa de achar um ponto intermediário entre o viés estatizante presente no DNA da social-democracia, de que o trabalhismo é o ramo britânico, e o liberalismo puro e duro.
Treze anos e uma derrota depois, Giddens faz um balanço (positivo, como era de se esperar) do experimento, mas aponta como um de seus grandes erros a submissão aos mercados financeiros: "Os líderes trabalhistas teriam que deixar muito claro que reconhecer as virtudes dos mercados não equivale de modo algum a prostrar-se ante eles", escreveu ao "El País".
Vale para o Reino Unido, vale para o mundo, vale para o Brasil. Sobre o Brasil, uma pequena ajuda-memória: na campanha de 2002, os tais mercados atacaram a economia brasileira por todos os lados no pressuposto de que, se Lula vencesse, daria o calote. Era necessário, pois, sugar o máximo de dinheiro possível como um, digamos, habeas corpus preventivo para a moratória.
(Detalhes dessa ofensiva aparecem cristalinos em conversa entre a Folha e George Soros, publicada dia 8/6/2002, sob o título "Soros diz que EUA irão impor Serra e que Lula seria o caos").
Resultado da ofensiva: Lula foi obrigado a impetrar o seu próprio habeas corpus contra a desestabilização, na forma da nomeação de Henrique de Campos Meirelles para o Banco Central. Meirelles fora presidente de um dos grandes nomes do mercado (o BankBoston) e se elegera pelo PSDB, o grande adversário de Lula.
Oito anos depois, Lula parece vingar-se, com as seguidas críticas aos banqueiros de olhos azuis que seriam os responsáveis pela crise global. Ontem, voltou ao assunto, ao dizer que "foi feito muito pouco para resolver os problemas da crise econômica e parece que ela volta mais forte que em 2008, por pura irresponsabilidade, por falta de controle do sistema financeiro".
Vale acrescentar declaração de Martine Aubry, a secretária-geral do Partido Socialista francês, reproduzida ontem por "El País". Ao comentar a demora da União Europeia para sair em socorro da Grécia, Aubry disse: "Para salvar os povos, como no caso grego, ninguém é capaz de pôr-se de acordo. Só quando correm perigo as bolsas e os mercados".
Tem razão: quando os bancos correram perigo, logo após a quebra do Lehman Brothers, em 2008, os governos socializaram os prejuízos, sem socializar os lucros, que seguem em mãos privadas. Pior: a prostração ante os mercados apontada por Giddens acabou levando o sistema financeiro a cobrar, agora, a redução abrupta dos deficit provocados pela ajuda a setores privados.
Observa Paul De Grauwe, da Universidade holandesa de Lovaina, em nota para o Centro de Estudos de Políticas Europeias: "A fonte da crise da dívida dos governos é a libertinagem passada de grandes segmentos do setor privado, e em particular do setor financeiro". Agora ou os governos se erguem da prostração ou a "libertinagem" prostrará também as sociedades.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Empresas de comunicação dos Estados Unidos comemoram recuperação de lucros dos jornais se comparado com os resultados do ano passado. Mas a internet bate record de acesso, numa sociedade da informação on-line. Os tempos sinalizam para mudanças nos suportes, não que isso levará ao fim do impresso, mas deverá se adaptar aos novos tempos. Matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, dia 13 de maio de 2010.
 
Jornais americanos têm recuperação


Lucro das empresas jornalísticas aumenta no primeiro trimestre, e ritmo de redução da receita publicitária diminu. Acesso a sites de jornais bate recorde nos três primeiros meses do ano; circulação de diários recua, com exceção do "Wall Street Journal"

CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK

Apesar da queda na circulação diária dos principais jornais americanos -à exceção do "Wall Street Journal"-, os balanços do setor referentes ao primeiro trimestre sinalizaram uma singela recuperação ante o mesmo período de 2009.
Em linhas gerais, os maiores jornais do país viram alguns de seus resultados melhorarem, graças às receitas publicitárias, que caíram menos do que nos trimestres anteriores, e à contenção de gastos.
Na internet, um recorde: os sites dos jornais tiveram o maior número de acessos nos primeiros três meses do ano, ao atrair 74,4 milhões de visitantes únicos por mês, na média.
O número superou a forte audiência do último trimestre de 2009, de 72 milhões por mês.
Os dados, compilados pela Nielsen Online a pedido da NAA (Newspaper Association of America), mostram que os usuários de sites dos jornais americanos geraram mais de 3,2 bilhões de "pageviews" e gastaram mais de 2,3 bilhões de minutos navegando.
Já a circulação em papel dos maiores jornais dos EUA caiu, em média, 9,5% em dias de semana, segundo o instituto Audit Bureau of Circulations.
Na comparação do primeiro trimestre com o mesmo período de 2009, o único veículo com resultado positivo foi o "Wall Street Journal", cuja circulação subiu 0,5%, para 2,092 milhões de exemplares.
Recentemente, o "Wall Street Journal" avançou na guerra contra o "New York Times", lançando um caderno voltado a Nova York, na tentativa de atrair anunciantes do concorrente.
O "New York Times", segundo o Audit Bureau of Circulations, teve, na média do período, 951 mil exemplares em dias de semana, uma queda de 8,5% em relação a 2009.
A News Corporation, de Rupert Murdoch, que publica o "Wall Street Journal", apresentou um balanço total que surpreendeu analistas, impulsionada pelo setor cinematográfico -a empresa também é dona da Fox, que lançou "Avatar" em meados de dezembro.
A receita da companhia no primeiro trimestre subiu 19%, para US$ 8,8 bilhões. O lucro operacional cresceu 55%, para US$ 1,25 bilhão.
O setor de serviços de informação e jornais do grupo foi responsável por um lucro operacional de US$ 131 milhões, um crescimento de US$ 102 milhões em relação ao mesmo período do ano passado.
Enquanto isso, a New York Times Company divulgou lucro operacional de US$ 83,3 milhões no primeiro trimestre, ante US$ 16,4 milhões no mesmo período de 2009.
A receita total da empresa caiu 3,2% no período, ante um recuo de 11,5% no último trimestre de 2009.
A receita publicitária total caiu 6% em relação aos três primeiros meses de 2009, a menor queda desde o terceiro trimestre de 2007. E os anúncios digitais subiram 18%.
Já a receita da empresa detentora do "Washington Post" ficou em US$ 1,17 bilhão, 11% a mais do que no ano passado.
O grupo Gannett, o maior em circulação diária total de jornais nos EUA (e que edita o "USA Today", o segundo em tiragem), divulgou que o seu lucro líquido cresceu 51% ante o primeiro trimestre de 2009.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

MÍDIA BRASILEIRA QUER SER NACIONAL

Parece estranho o título, mas finalmente as empresas de comunicação no Brasil se viram ameaçadas pelos conglomerados globais e resolveram a pressionar o governo para que haja respeito da constituição, a qual define que a propriedade de meios de comunicação nas mãos de estrangeiros não pode ser superior a 30%. Há alguns anos não era esta a defesa, mas ao contrário, a grita era exatamente para abertura da participação internacional. Não que os empresários brasileiros deixaram de ser liberal, a questão está na rentabilidade das empresas que não conseguem concorrer com as grandes operadoras telefônicas internacionais que invadem o mundo com seus tentáculos. Na realidade é apenas uma defesa de fatia de mercado e nada mais. Abaixo matéria publicada pelo Jornal Folha de S. Paulo, em 12 de maio, sobre assunto.



Mídia defende limite a capital estrangeiro 

Jornais e TVs recorreram à Procuradoria para pedir medidas contra possível controle de órgãos de comunicação por empresas de fora do país


ANJ e Abert acusam iG, Terra e grupo Ongoing de violar regra que limita capital externo a 30%; iG nega, e demais não se manifestam



RANIER BRAGON

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


As associações que representam os maiores jornais e canais de TV do país anunciaram ontem ter ingressado na Procuradoria-Geral da República com representação em que pedem investigação e adoção de medidas contra o possível controle, por empresas estrangeiras, de órgãos de comunicação no país.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) pedem que o Ministério Público adote providências para que o governo faça cumprir a determinação constitucional que limita a 30% a participação de capital estrangeiro em empresas de comunicação e reserva a brasileiros natos (ou naturalizados há mais de dez anos) a responsabilidade administrativa e editorial.

O presidente da Abert, Daniel Slaviero, afirmou haver dezenas de casos de violação da regra constitucional. "Há dezenas de casos, mas os mais notórios são o portal Terra e o portal iG, que têm conteúdo jornalístico operando na internet", afirmou Slaviero.

"Entramos com a representação com base em duas premissas: que a internet não é uma terra sem lei e que algum órgão público tem que fazer valer uma regra constitucional que está sendo flagrantemente desrespeitada", disse Slaviero, em entrevista antes de seminário no Congresso que discutiu direito autoral na internet.

Material distribuído pela Abert durante o evento aponta também outros órgãos de imprensa, como o jornal "Brasil Econômico", lançado no país pelo grupo português Ongoing.

"Acreditamos que o Ministério Público irá adotar a iniciativa de defender a execução do artigo 222 da Constituição, flagrantemente desrespeitado", afirmou Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ.


Questionamentos

Segundo as duas associações, foram feitos questionamentos sobre o assunto ao Ministério da Justiça e à AGU (Advocacia-Geral da União), mas não houve resposta. A ANJ é presidida por Judith Brito, diretora-superintendente do Grupo Folha, que edita a Folha e é acionista majoritário do portal UOL.

A AGU informou que recebeu o pedido e está aguardando manifestação da consultoria jurídica do Ministério das Comunicações sobre o tema. Após esta manifestação do ministério, segundo a AGU, será emitido um parecer. Questionado pela Folha sobre a consulta das entidades, o Ministério das Comunicações não respondeu até a conclusão desta edição.

Procurada pela reportagem da Folha, a assessoria do iG afirmou que a empresa é nacional, com sede no Brasil e controlada por uma firma 100% nacional, a telefônica Oi.

O Terra disse que não iria se pronunciar porque ainda não recebeu nenhum comunicado a respeito da representação feita por ANJ e Abert à Procuradoria-Geral da República.

O grupo português Ongoing não se manifestou até a conclusão desta edição.

domingo, 9 de maio de 2010

CHÃO DE FÁBRICA NA PÓS-MODERNIDADE

No senso comum as novas tecnologias somente trazem ao homem benefícios e nunca prejuízos. Na realidade as duas coisas ocorrem simultaneamente, em uma sociedade que tem como meta a valorização econômica em detrimento da liberdade e consciência humana.  


CARLOS HEITOR CONY

Tempos modernos  

RIO DE JANEIRO - No programa "Liberdade de Expressão", que mantemos diariamente na CBN Heródoto Barbeiro, Arthur Xexéo, Viviane Mosé e eu, temos uma pauta bem variada. E dia desses comentávamos a bolação de um industrial, que mandou instalar, nos banheiros de suas fábricas, um circuito interno de TV para fiscalizar quantas vezes seus funcionários vão até lá, o que fazem e quanto tempo demoram ali.
Na minha vez de falar, lembrei que em 1936, há mais de 70 anos, portanto, Chaplin fez um de seus filmes mais importantes, "Tempos Modernos". Após meses desempregado, Carlitos é operário de uma fábrica, onde passa oito horas diárias apertando parafusos que correm numa esteira de produção. A longo prazo, ele terminará numa clínica para loucos.
Para aliviar o estresse, logo no primeiro dia, vai ao banheiro lavar o rosto. Na parede principal do lavabo, surge um telão com a cara do dono da fábrica perguntando o que ele está fazendo ali, por que não está no seu posto de trabalho. Carlitos dá as desculpas que pode, mas o dono ordena que ele regresse imediatamente aos parafusos e comunica que o tempo gasto no banheiro será descontado de seu salário.
Quando Chaplin fez o filme, a tecnologia da época estava longe de permitir que um "Big Brother" qualquer invadisse a privacidade de quem quer que seja num banheiro ou em qualquer outro lugar de sua vida pessoal.
Hoje é cada vez mais possível essa vigilância "full time" em cima dos cidadãos, de todos nós. Certamente, aqui e no resto do mundo, serão instalados equipamentos como os previstos por Chaplin, o que há 70 anos era apenas uma piada e que hoje ameaça um tipo de opressão que se tornará mais geral e mais anti-humana.
De hora em hora, Deus piora.

Artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo dia 9 de maio de 2010.

sábado, 8 de maio de 2010

ENFIM UMA TV PÚBLICA

O Brasil convive com um sistema de comunicação que atende aos interesses comerciais das grandes empresas de comunicação, em detrimento da informação de qualidade prestada ao público. Ainda que seja uma concessão do Estado, a população fica a mercê das propostas de programação sempre voltada para uma audiência massa, mesmo sendo este um período de mais comunicação. Portanto, um equívoco que visa uma ordem de pensamento político e social. O surgimento de uma rede pública se torna, então importante para o país.

Enfim, uma rede pública de televisão: nasce a RNCP

Formada pelos quatro canais próprios da EBC, por sete emissoras universitárias e por 15 emissoras públicas estaduais, a RNPC levará a programação da TV Brasil para cerca de 100 milhões de brasileiros, de 23 estados.
O artigo 223 da Constituição de 88 reza:

“Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, publico e estatal”.

O que o princípio da complementaridade pretendia era direcionar as novas outorgas e as renovações de concessões de radiodifusão no sentido do equilíbrio entre os sistemas privado, publico e estatal. Acreditava o constituinte ser esta uma das maneiras de garantir a democratização do setor.

Em depoimento na Subcomissão de Rádio e Televisão da Comissão de Educação do Senado Federal, em setembro de 1999, assim se expressou o Relator do tema na Constituinte, o então Deputado Federal Artur da Távola, hoje, infelizmente, já falecido:

“Durante a Constituinte, toda a disputa se estabeleceu em tomo do Conselho (de Comunicação Social). (...) Eu era o Relator da matéria e considerava que o mais importante era algo que significasse a democratização na outorga dos canais. (...) E eu defendia a tese de haver um equilíbrio na concessão. Parecia-me que, havendo um equilíbrio na concessão, se alcançaria o pressuposto da democratização nos meios de informação” (disponível em
http://legis.senado.gov.br/sil-pdf/Comissoes/Permanentes/CESRTV/Atas/19990909RO004.pdf ).


O artigo 223, como se sabe, nunca foi regulamentado pelo Congresso Nacional. E até a criação da Empresa Brasil de Comunicação, EBC, pelo Decreto nº 6.246 e a MP 398, ambos de outubro de 2007 (depois convertidos na Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008), não tínhamos sequer uma positivação do que seria um sistema público de radiodifusão. A partir daí, passou a ser possível pensar-se na implementação do princípio constitucional da complementaridade na radiodifusão.

A Rede Nacional de Comunicação Pública
O inciso III do artigo 8o da Lei nº 11.652 reza que compete à EBC:

(...)
III - estabelecer cooperação e colaboração com entidades públicas ou privadas que explorem serviços de comunicação ou radiodifusão pública, mediante convênios ou outros ajustes, com vistas na formação da Rede Nacional de Comunicação Pública.


No dia 3 de maio de 2010, um ano e meio depois de sua criação, a EBC consegue cumprir o que manda a Lei: foi iniciada a transmissão simultânea da Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP).

Formada pelos quatro canais próprios da EBC, por sete emissoras universitárias e por 15 emissoras públicas estaduais, a RNPC levará a programação da TV Brasil para cerca de 100 milhões de brasileiros, de 23 estados. Como algumas das parceiras dispõem de redes particulares, constituídas por geradoras afiliadas e retransmissoras próprias, esse número de canais pode chegar a 765 já que a TV Brasil pode ser vista tanto pelos canais de TV aberta quanto pela TV por assinatura e pela banda C das antenas parabólicas.

Vinculadas a governos de estados, universidades federais e estaduais, essas emissoras, acrescidas da TV Brasil, representam mais de 95% do poder de cobertura do campo público, que inclui canais fechados universitários e comunitários, emissoras institucionais e televisões educativas locais.

Sonho e esperança
O início de funcionamento da RNPC é auspicioso por ele mesmo. É necessário, no entanto, registrar que sua entrada em operação obedece às verdadeiras intenções dos constituintes expressas no princípio da complementaridade (artigo 223) e significa o cumprimento dos princípios que constam do artigo 221 para “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão” que, também, nunca foram regulamentados.

Como está escrito na própria nota distribuída pela EBC – “ao contrário das redes comerciais, as relações entre os integrantes da Rede Pública se processam de forma horizontal, as diferenças constituem um valor e a regionalização dos conteúdos é um pressuposto.” Além disso, pratica-se “o estimulo à produção local, inclusive para veiculação na grade nacional, com a EBC fazendo aporte de recursos.”

Todos aqueles que acalentam o sonho – e a esperança – de que, um dia, possa afinal haver equilíbrio entre os sistemas privado, publico e estatal de radiodifusão e de que um sistema público constitua, de fato, alternativa de qualidade ao sistema privado comercial, dominante entre nós desde sempre, devem saudar a RNPC como um passo certo nesta direção.

Parece que – a exemplo do que já ocorre em vários países – um sistema público de radiodifusão, apesar de todas as questões ainda a serem equacionadas, começa a se transformar em realidade no Brasil.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010 (no prelo).

Matéria publica pela Revista Carta Maior on-line.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A VOLTA DO DIPLOMA!

A grande imprensa não dá visibilidade, mas a discussão continua sendo feita nas universidade brasileiras sobre a não obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a função. O debate movimenta o Congresso Nacional para análise da questão, o que parece ocorrer nas próximas semanas.

Presidente da Câmara garante criação de Comissão Especial para a PEC do diploma

Redação Portal IMPRENSA

Na manhã desta quinta-feira (5), o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), garantiu a instalação, nos próximos dias, da Comissão Especial que analisará a PEC que restabelece a obrigatoriedade do diploma para exercício do jornalismo.

Durante reunião com o relator da PEC, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), e o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murilo, o presidente da Câmara disse ter determinado que a Secretaria-Geral da Mesa solicite aos partidos, que ainda não se manifestaram sobre a questão, que indiquem imediatamente os deputados que deverão fazer parte da Comissão.

De acordo com Pimenta, Michel Temer declarou que esta será "a última chamada" e que, mesmo sem a indicação dos partidos, a Comissão será instalada.

A PEC já recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Casa e aguarda análise da Especial para ser levada à votação em Plenário.

Matéria publica pela Revista Imprensa On-line.


Empresas propõem regulamentar imprensa

Com o fim da Lei de Imprensa e obrigatoriedade de diploma de graduação para exercer a função de jornalista as instituições que defendem os veículos de comunicação particulares buscam criar um órgão de regulamentação do setor - matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em 5 de maio de 2010.

Mídia nacional estuda autorregulamentação

Principais grupos de comunicação do Brasil analisam a possibilidade de adotar código de conduta para a atividade jornalística

Um dos objetivos é fixar um mecanismo contra ameaças à liberdade de imprensa, como a criação de conselho para "fiscalizar" o jornalismo


RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As entidades que representam os principais grupos de comunicação do país estudam a possibilidade de adotar a autorregulamentação da atividade jornalística, com o estabelecimento de um código de conduta para o exercício da profissão.
A ideia foi defendida ontem pelo vice-presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas), Sidnei Basile, que também é vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril.
Ao discursar na 5ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, em Brasília, Basile afirmou que a medida, entre outras coisas, seria um eficaz mecanismo contra ameaças à liberdade de imprensa.
"O que não podemos é deixar que a agenda da consolidação da democracia representativa, filha direta da liberdade, seja constantemente interrompida pela saudade autoritária de uma nova Lei de Imprensa ou o controle burro de um Conselho Federal de Jornalismo", disse.
Basile se referia à Lei de Imprensa editada pela ditadura e derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2009 e à frustrada tentativa do governo federal de aprovar, em 2004, a criação de um conselho para, entre outros pontos, "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista".
A proposta defendida ontem segue o modelo do Conar (conselho de autorregulamentação publicitária), organização mantida pelo setor publicitário, anunciantes e empresas de comunicação para fiscalizar a ética da propaganda comercial.
O Conar foi criado no final dos anos 70 em resposta à tentativa de adotar uma espécie de censura prévia à propaganda.
De acordo com Basile, o código poderia incluir regras de direito de resposta, que inibam a mistura de opinião com notícia e que evitem práticas como a do jornalista se passar por outra pessoa para conseguir uma reportagem ou divulgar acusações feitas por pessoas que se mantenham no anonimato.
Também presente à conferência, a presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Judith Brito, disse que a associação discute o assunto internamente e pode adotar uma posição ainda neste ano.
Brito, que também é diretora-superintendente da Empresa Folha da Manhã, que edita a Folha, afirmou ser, pessoalmente, a favor da autorregulamentação. "Sou francamente favorável. É uma atitude importante, que a sociedade veria com bons olhos."
O presidente da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Daniel Pimentel Slaviero, também disse que a entidade estuda o assunto, mas ressaltou que hoje as empresas já adotam, de forma individual, mecanismos de autorregulamentação.
Todos os palestrantes defenderam a liberdade de imprensa, mas a maioria dos deputados criticou a cobertura jornalística que é feita do Legislativo.
"A cobertura é maniqueísta. Mídia e imprensa vivem do espetáculo, e essa espetacularização produz uma visão um tanto quanto banalizada do processo legislativo. Há uma relação sadomasoquista", discursou o deputado José Genoino (PT-SP), que citou crítica similar feita pelo ex-ombudsman da Folha Carlos Eduardo Lins da Silva.
Um dos caciques do PT até 2005, Genoino teve o nome envolvido no escândalo do mensalão e hoje é réu no processo do STF que investiga o caso.
O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), disse que o Legislativo em baixa não atende aos interesses democráticos. "O Congresso tem que ser forte e soberano, com apoio e aplauso da imprensa. E a imprensa tem que ser livre, com apoio e aplauso do Co

quinta-feira, 6 de maio de 2010

PENSAR A BANDA LARGA PARA TODOS

O governo propõe estender a conecção de banda larga para todo o país inclusive para as cidades que não interessam a iniciativa privada. No mundo moderno a democracia, certamente, passa pela comunicação virtual. Eis uma discussão importante, para o momento.

Democratização do acesso à banda larga

ROGÉRIO SANTANNA



Apesar do enorme potencial, a banda larga no Brasil é cara, lenta e concentrada nas regiões com alta renda e densidade populacional

O AVANÇO das políticas sociais e o crescimento econômico dos últimos anos possibilitaram ao país um papel de destaque na geopolítica internacional. Mais de 24 milhões de pessoas superaram a pobreza entre 2003 e 2008, e a classe C tornou-se a maioria da população, cuja participação passou de 43%, em 2003, para 53,6%, no ano passado.

Porém, apesar dessas e de outras conquistas, que melhoraram a vida do brasileiro e o grau de confiabilidade dos investidores estrangeiros, ainda não superamos o desafio de incluir os cidadãos na sociedade da informação e do conhecimento.

Para acelerar o desenvolvimento, precisamos massificar o acesso à internet. Sem ela, não há como desburocratizar os processos, eliminar o papel no âmbito do governo e das empresas e reduzir o custo do país.
Apesar do enorme potencial, a banda larga no país é cara, de baixa velocidade e concentrada nas regiões com alta renda e densidade populacional.

Isso ocorre porque a maioria desses serviços é prestada por apenas três empresas, que detêm 86% do mercado brasileiro e visam as classes A e B. As velocidades de banda disponibilizadas são, em 90% dos casos, inferiores a um megabit.

A banda larga é, hoje, o sistema nervoso da nova economia globalizada, e as barreiras que impedem o seu acesso universal retardam o crescimento do país. Situação ainda mais preocupante nas regiões Norte, Nordeste e naquelas mais afastadas dos grandes centros, que estão condenadas pelo mercado à desconexão eterna.

A disseminação dos serviços de governo e de comércio eletrônico depende dessa infraestrutura para atender igualmente a todos, em especial os mais pobres e mais distantes das regiões metropolitanas.

Como o governo vai cumprir seu compromisso social com os trabalhadores de garantir a aposentadoria em até 30 minutos, se a banda larga não estiver em todos os municípios? Como poderá massificar o uso da nota fiscal eletrônica com as atuais deficiências nessa área?
Dados divulgados pela NET Serviços mostram que a banda larga é competitiva em apenas 184 municípios brasileiros, onde vivem 83 milhões de pessoas, e que há monopólios em 2.235 municípios, nos quais residem 63 milhões de pessoas. Nos demais 3.145 municípios, o negócio é considerado inviável pela empresa.

A banda larga também permite a transmissão de voz, um serviço cada vez mais disponível de forma gratuita.

Diferentemente do que ocorre na telefonia tradicional, nesse ambiente a duração e a distância das chamadas não influem no preço, e sim a largura da banda contratada. Isso resulta da convergência digital, que está mudando as regras de tarifação.
Sem tirar o aparelho do gancho, o brasileiro já paga entre R$ 32 e R$ 42 pela assinatura básica de telefone fixo. Situação que ocorre não somente nos locais distantes, onde são necessários subsídios, mas também nas grandes capitais.

Se esse modelo tivesse sido aplicado para o acesso à internet, a rede mundial não teria se desenvolvido. É fácil deduzir que há uma resistência natural por parte das empresas telefônicas que retardam a migração de suas redes para o novo modelo.

Esse mercado já sofre reduções importantes a cada ano no mundo e nos países onde há grande disseminação da banda larga: voz representa só 30% do tráfego, enquanto no Brasil representa mais de 80%.

O pequeno número de cidades em que há concorrência na banda larga mostra que, sozinho, o mercado não irá resolver esse problema.

O Plano Nacional de Banda Larga permitirá acelerar o desenvolvimento do interior do Brasil ao reduzir em cerca de 70% o preço médio cobrado pelo serviço. Assim, será possível levar banda larga de baixo custo e alta velocidade a 4.278 municípios localizados em 26 Estados, mais o Distrito Federal, atendendo a 88% da população brasileira até 2014.
A meta é elevar o número de domicílios com internet do país dos atuais 13,5 milhões para 35 milhões no ano de 2014.

Aeroportos, portos e estradas são infraestruturas do século passado. A banda larga, que agora o Brasil tem a oportunidade de levar a todo o seu imenso território, é a única capaz de preparar a nação para enfrentar os desafios da modernidade.

A pior exclusão social é aquela que nega o acesso ao conhecimento porque dificulta o alcance de direitos fundamentais, como saúde e educação, e especialmente porque retira o direito de exercer a cidadania com plenitude.


ROGÉRIO SANTANNA é secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento.

Texto Publicado pela Folha de S. Paulo 6 de maio de 2010 - em tendências e debates.