O Jornalista Clóvis Rossi traz análise importante sobre a estratégia do mercado financeiro em privatizar os lucros e socializar os prejuízos, a exemplo que ocorre na Europa, diante da crise da Grécia. Verdade, que este período de instabilidade no velho mundo não se resolveu, outros países parecem caminhar para depressões econômicas. Texto publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, dia 15 de maio de 2010.
CLÓVIS ROSSI
Aqueles olhos azuis atacam de novo
Sociedade é obrigada a pagar, no Brasil e no mundo, a conta de uma crise econômica que foi provocada pelos bancos |
MADRI - Anthony Giddens, ex-diretor da respeitada London School of Economics, foi o principal ideólogo do "Novo Trabalhismo" ou "Terceira Via", a fórmula que Tony Blair/Gordon Brown implantaram no Reino Unido, a partir de 1997.
Tratava-se de uma tentativa de achar um ponto intermediário entre o viés estatizante presente no DNA da social-democracia, de que o trabalhismo é o ramo britânico, e o liberalismo puro e duro.
Treze anos e uma derrota depois, Giddens faz um balanço (positivo, como era de se esperar) do experimento, mas aponta como um de seus grandes erros a submissão aos mercados financeiros: "Os líderes trabalhistas teriam que deixar muito claro que reconhecer as virtudes dos mercados não equivale de modo algum a prostrar-se ante eles", escreveu ao "El País".
Vale para o Reino Unido, vale para o mundo, vale para o Brasil. Sobre o Brasil, uma pequena ajuda-memória: na campanha de 2002, os tais mercados atacaram a economia brasileira por todos os lados no pressuposto de que, se Lula vencesse, daria o calote. Era necessário, pois, sugar o máximo de dinheiro possível como um, digamos, habeas corpus preventivo para a moratória.
(Detalhes dessa ofensiva aparecem cristalinos em conversa entre a Folha e George Soros, publicada dia 8/6/2002, sob o título "Soros diz que EUA irão impor Serra e que Lula seria o caos").
Resultado da ofensiva: Lula foi obrigado a impetrar o seu próprio habeas corpus contra a desestabilização, na forma da nomeação de Henrique de Campos Meirelles para o Banco Central. Meirelles fora presidente de um dos grandes nomes do mercado (o BankBoston) e se elegera pelo PSDB, o grande adversário de Lula.
Oito anos depois, Lula parece vingar-se, com as seguidas críticas aos banqueiros de olhos azuis que seriam os responsáveis pela crise global. Ontem, voltou ao assunto, ao dizer que "foi feito muito pouco para resolver os problemas da crise econômica e parece que ela volta mais forte que em 2008, por pura irresponsabilidade, por falta de controle do sistema financeiro".
Vale acrescentar declaração de Martine Aubry, a secretária-geral do Partido Socialista francês, reproduzida ontem por "El País". Ao comentar a demora da União Europeia para sair em socorro da Grécia, Aubry disse: "Para salvar os povos, como no caso grego, ninguém é capaz de pôr-se de acordo. Só quando correm perigo as bolsas e os mercados".
Tem razão: quando os bancos correram perigo, logo após a quebra do Lehman Brothers, em 2008, os governos socializaram os prejuízos, sem socializar os lucros, que seguem em mãos privadas. Pior: a prostração ante os mercados apontada por Giddens acabou levando o sistema financeiro a cobrar, agora, a redução abrupta dos deficit provocados pela ajuda a setores privados.
Observa Paul De Grauwe, da Universidade holandesa de Lovaina, em nota para o Centro de Estudos de Políticas Europeias: "A fonte da crise da dívida dos governos é a libertinagem passada de grandes segmentos do setor privado, e em particular do setor financeiro". Agora ou os governos se erguem da prostração ou a "libertinagem" prostrará também as sociedades.
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