A discussão em torno dos direitos humanos parece, ao longo dos anos, não surtir qualquer efeito, apesar do atos gritantes contra a humanidade. No mundo, as diferenças econômicas saltam aos olhos como um crime contra a sociedade, dita moderna e tecnologizada, a qual teria condições de oferecer alimentos a todos os cidadãos globais. As guerras provocadas pelas potências mundiais sempre em busca do domínio da hegemonia de poder responde a falta de responsabilidade com o homem em função do capital, que ganha, sobremaneira, em importância. No Brasil, apesar do avanço econômico, a diferença entre ricos e pobres continua aviltante, o que resulta em falta de oportunidade para uma maioria, diferentemente, do que ocorre para uma minoria, geralmente com origem em estrutura financeira avantajada. Vale uma reflexão, se considerar o momento de mudanças de paradigmas e uma população mais participativa. texto publicado pela Folha de S. Paulo, domingo, 30 de maio.
Falta compromisso com direitos humanos
MARCIA POOLE
O Brasil tem desenvoltura cada vez maior em questões econômicas, mas ainda não mostra sua liderança no campo de direitos humanos |
"O Brasil decolou", afirmou o influente semanário britânico "The Economist" em novembro do ano passado. Coincidência ou não, o perfil do país só faz crescer.
Se o Brasil age com desenvoltura cada vez maior nas questões econômicas ou de política internacional, existe uma área em que o país ainda está por demonstrar liderança -os direitos humanos.
No relatório anual sobre a situação dos direitos humanos em todo o mundo, publicado no dia 27, a Anistia Internacional ressalta os ganhos em 2009, como o ex-presidente peruano Alberto Fujimori ter sido condenado por crimes contra a humanidade.
Na Argentina, o último presidente militar, Reynaldo Bignone, foi condenado por sequestro e tortura.
No Camboja, um dos mais notórios líderes do Khmer Vermelho, o camarada Duch, enfim respondeu por crimes contra a humanidade, cometidos há mais de 30 anos.
Mas a organização também aponta para um grande vácuo na Justiça mundial, criado pelas manobras políticas dos países mais poderosos.
Por exemplo, os EUA e países europeus usam sua posição no Conselho de Segurança da ONU para proteger Israel das consequências das violações que cometeu em Gaza no ano retrasado (diga-se, por sinal, que o grupo armado palestino Hamas também ainda não respondeu pelos abusos cometidos).
A União Africana se recusa a cooperar com o Tribunal Penal Internacional no caso do presidente sudanês Omar al Bashir, indiciado por supostos crimes contra a humanidade. Milhões de pessoas, principalmente mulheres e crianças, ainda sofrem por causa da pobreza, da fome, da doença e da violência.
A Anistia Internacional convoca o G20 a dar o exemplo, promovendo toda a gama dos direitos humanos e demonstrando que ninguém está acima da lei.
Quando da crise financeira mundial, o presidente Lula disse que o empréstimo ao FMI dava ao país a autoridade moral para pressionar por reformas na instituição.
Do mesmo modo, a voz do Brasil terá maior credibilidade se puder apontar para um quadro positivo com relação aos direitos humanos.
As reformas, ainda que limitadas, na área de segurança pública, são um bom começo. Mas ainda restam muitos problemas graves, como as execuções extrajudiciais, a violência policial, as condições do sistema penitenciário e a impunidade dos que cometeram abusos contra os direitos humanos, inclusive durante a ditadura.
É preciso que os candidatos presidenciais se comprometam a priorizar os direitos humanos, de modo que o Brasil possa usar seu status de potência emergente para avançar com a pauta dos direitos humanos em foros internacionais. Na próxima semana, acontece em Kampala, Uganda, a primeira reunião de revisão do estatuto do Tribunal Penal Internacional. Uma boa oportunidade para o Brasil promover o sistema de Justiça internacional e tentar persuadir, por exemplo, a China e os Estados Unidos a se tornarem membros do tribunal.
Valendo-se do progresso que tem feito com relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, sobretudo na redução da pobreza, o Brasil deve propor, durante a reunião de alto nível a realizar-se na ONU em setembro, que os direitos socioeconômicos básicos, como o direito à saúde, à moradia e à educação, não sejam só aspirações políticas, mas tenham força de lei. Essa agenda é, sem dúvida, ambiciosa, mas não está fora do alcance do Brasil. Afinal de contas, quem teria apostado que, em 2009, o Brasil emprestaria dinheiro ao FMI?
MARCIA POOLE é diretora-geral de comunicação da Anistia Internacional, sediada em Londres.
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