domingo, 9 de maio de 2010

CHÃO DE FÁBRICA NA PÓS-MODERNIDADE

No senso comum as novas tecnologias somente trazem ao homem benefícios e nunca prejuízos. Na realidade as duas coisas ocorrem simultaneamente, em uma sociedade que tem como meta a valorização econômica em detrimento da liberdade e consciência humana.  


CARLOS HEITOR CONY

Tempos modernos  

RIO DE JANEIRO - No programa "Liberdade de Expressão", que mantemos diariamente na CBN Heródoto Barbeiro, Arthur Xexéo, Viviane Mosé e eu, temos uma pauta bem variada. E dia desses comentávamos a bolação de um industrial, que mandou instalar, nos banheiros de suas fábricas, um circuito interno de TV para fiscalizar quantas vezes seus funcionários vão até lá, o que fazem e quanto tempo demoram ali.
Na minha vez de falar, lembrei que em 1936, há mais de 70 anos, portanto, Chaplin fez um de seus filmes mais importantes, "Tempos Modernos". Após meses desempregado, Carlitos é operário de uma fábrica, onde passa oito horas diárias apertando parafusos que correm numa esteira de produção. A longo prazo, ele terminará numa clínica para loucos.
Para aliviar o estresse, logo no primeiro dia, vai ao banheiro lavar o rosto. Na parede principal do lavabo, surge um telão com a cara do dono da fábrica perguntando o que ele está fazendo ali, por que não está no seu posto de trabalho. Carlitos dá as desculpas que pode, mas o dono ordena que ele regresse imediatamente aos parafusos e comunica que o tempo gasto no banheiro será descontado de seu salário.
Quando Chaplin fez o filme, a tecnologia da época estava longe de permitir que um "Big Brother" qualquer invadisse a privacidade de quem quer que seja num banheiro ou em qualquer outro lugar de sua vida pessoal.
Hoje é cada vez mais possível essa vigilância "full time" em cima dos cidadãos, de todos nós. Certamente, aqui e no resto do mundo, serão instalados equipamentos como os previstos por Chaplin, o que há 70 anos era apenas uma piada e que hoje ameaça um tipo de opressão que se tornará mais geral e mais anti-humana.
De hora em hora, Deus piora.

Artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo dia 9 de maio de 2010.

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