sábado, 25 de setembro de 2010

Chávez e a democracia dos pobres

A América Latina continua um lugar desconhecido por uma sociedade que viveu colonizada por séculos. Entretanto, há mudanças no cenário político, com certa vantagem para ações voltadas para o atendimento da população mais pobre. Em essência, a região passa por ruptura nas pirâmides sociais.


Neste sentido, Hugo Chávez se mantém no poder, assim como Evo Morales e outros presidentes da região. Abaixo texto que trata do tema, com análises que foge ao senso comum e idéias de mercado definidas pelos meios de comunicação brasileiros. Publicado pelo Jornal Folha de S. Paulo, sábado, 25 de setembro de 2010.

CLÓVIS ROSSI

Chávez ganha com afeto de pobres

Uso da máquina pública, do Exército e uma oposição acuada não são a completa explicação para sua vitória


CARACAS - ATÉ a oposição admite que o presidente Hugo Chávez fará a maioria na Assembleia Nacional a ser eleita amanhã. Na melhor das hipóteses, espera chegar a 67 das 165 vagas em jogo, o que impediria o presidente de governar por decreto, o mecanismo pelo qual toca à frente seu projeto de "socialismo do século 21".
A nova vitória de Chávez será, se confirmada, a 13ª em 15 consultas populares, incluídos referendos, nos 11 anos de reinado.
Chávez ganha porque usa impudicamente a máquina pública? Sim. O Conselho Nacional Eleitoral acaba de divulgar, por exemplo, que a TV pública (VTV, Venezolana de Televisión) dedicou 90% de seus espaços informativos para o governista PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela).
Até o Exército entrou na campanha do PSUV, usando sua rede capilar em todo o país.
Chávez ganha porque acuou a oposição, retirando poderes e funções de eleitos oposicionistas, e atacando a mídia? Sim, também.
Mas Chávez ganha, acima de tudo, porque seu "vínculo afetivo com um setor do país continua sendo muito poderoso", como admite Teodoro Petkoff, talvez o mais lúcido dos oposicionistas, um ex-guerrilheiro que transitou para a ortodoxia econômica e hoje é editor do jornal de oposição "Tal Cual".
Um só dado basta para explicar a solidez do "vínculo afetivo": a pobreza, nos anos Chávez, caiu de 49% para 26,4% da população, segundo o presidente do Instituto Nacional de Estatísticas, Elías Eljuri.
É verdade que a oposição contesta o número, mas não o fato de que a pobreza se reduziu.
Mais: os pobres têm a sensação de que deixaram de ser "invisíveis", ao contrário do que ocorria nos anos 90, período de decadência da democracia e da economia venezuelanas.
A questão chave da eleição de amanhã, portanto, é menos o número de assentos que a oposição conquistará (hoje, tem dez cadeiras, de ex-chavistas, porque cometeu a estupidez de não ter se apresentado no pleito de 2005).
Decisivo, mesmo, é saber se o modelo populista travestido de "socialismo do século 21" tem fôlego para continuar a conquistar o afeto da maioria.
As previsões não são nada favoráveis: afeto, como é óbvio no mundo inteiro, se conquista pelo bolso e o bolso dos venezuelanos estará entre 3% e 4% mais vazio este ano, de acordo com as previsões do economista Pedro Palma, ligado à Fedecámaras, a central empresarial.
Consequência de uma segunda queda consecutiva da economia, com o que a Venezuela "socialista" destoa totalmente do resto da América Latina "capitalista", que vai crescer 4%, na média.
O que não vai diminuir é a violência -que atinge mais os pobres, como no Brasil. No ano passado, um venezuelano foi assassinado a cada meia hora. A taxa de homicídios é de 75 por 100 mil habitantes, o dobro da Colômbia em guerra há meio século, três vezes mais que o assustado Brasil.
A eleição de amanhã acabará medindo o tamanho do afeto e da erosão que as dificuldades causam nele. Mas não reduzirão o ímpeto revolucionário de Chávez, que, no encerramento da campanha, já avisou ao país que está "esquentando os motores" para 2012, ano da eleição presidencial.

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