quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Os governos da América Latina resolveram enfrentar as grandes empresas de comunicação locais, sendo que muitos deles têm participação de grupos estrangeiros que usam os veículos para influenciar política nacional. Na Argentina, a luta entre governo e jornais se arrasta nos últimos anos, com debate acirrado e enfrentamentos.

Neste momento a presidente Cristina Kirchner quer reduzir o poder das das empresas de distribuição de papel, ligadas aos jornais Clarin e Lación, que comanda mais de 70% do produto comercializado no país.

Texto publicado pelo Jornal Folha de S. Paulo, 25 de agosto de 2010.

Argentina quer controlar papel-jornal
Presidente Cristina Kirchner diz que enviará projeto transformando insumo em setor "de interesse nacional"

Em guerra com a mídia, governo tentará anular compra de fábrica pelos jornais "Clarín" e "La Nación" nos anos 70



Marcos Brindicci/Reuters

Cristina Kirchner, durante o anúncio, sob quadro do ex-presidente argentino Juan Perón

GUSTAVO HENNEMANN DE BUENOS AIRES Em guerra com a imprensa de seu país, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, anunciou ontem que apresentará um projeto de lei para transformar a produção e a comercialização de papel-jornal em setor "de interesse nacional".
A intenção do governo é criar um marco regulatório específico, que estabeleceria uma comissão parlamentar para fiscalizar as operações da empresa Papel Prensa, única produtora nacional de papel-jornal.
Conforme as normas sugeridas por Cristina, a fábrica seria obrigada a oferecer as mesmas quantidades e preços a todos os jornais do país.
A Papel Prensa produz três quartos do papel-jornal consumido no país e é parcialmente controlada pelos jornais "Clarín" (com 49% das ações) e "La Nación" (22,49%), críticos do governo. Outros 27,46% são do Estado argentino.
O governo acusa os dois jornais de exercerem hegemonia no mercado por terem vantagens competitivas, como preço e disponibilidade, sobre os demais veículos.
O projeto de lei também quer estimular o aumento da produção nacional para que a Argentina não precise mais importar papel-jornal.
Segundo Cristina, o Estado, como sócio minoritário, está disposto a investir na Papel Prensa para aumentar sua capacidade, mas sem aumentar sua fatia do capital.
No mesmo evento, Cristina afirmou que processará os dois jornais por crimes contra a humanidade supostamente vinculados à negociação da participação na Papel Prensa, nos anos 70.
A presidente apresentou ontem um relatório que acusa os dois veículos de terem comprado sua parte, em 1976, com ajuda do regime militar.
Conforme o governo, os membros da família Graiver -antigos sócios majoritários da Papel Prensa- eram perseguidos e sofriam pressões dos militares na época em que transferiram suas ações.
Segundo Cristina, o consórcio formado por "Clarín", "La Nación" e "La Razón" (este último extinto) se aproveitou da fragilidade da família para comprar as ações e pagou um valor quatro vezes menor à cotação de mercado.
Apenas cinco dias depois de assinar o último contrato de venda, a matriarca da família Graiver, Lidia Papaleo, foi presa e acusada de subversão.
Hoje, Papaleo afirma que foi pressionada por executivos dos jornais e por militares para que vendesse as suas ações.
O documento lido ontem pela presidente será apresentado à Justiça junto com a denúncia de crimes contra a humanidade para tentar anular a negociação.
Em editoriais ontem, os jornais afirmaram que o governo está "inventando uma história" para se apropriar da Papel Prensa e, assim, aumentar seu controle sobre os meios de comunicação. Hoje, 170 jornais do país compram o papel da empresa.
Os dois veículos dizem que os membros da família Graiver só começaram a ser perseguidos seis meses após a transação.
O regime os prendeu e torturou depois de descobrir que eles administravam o dinheiro da guerrilha argentina Montoneros.
Segundo os dois jornais, Papaleo foi cooptada pelo atual governo e alterou sua versão anterior dos fatos, que nunca havia vinculado a venda da empresa à repressão militar.
Há mais de um ano, o "Clarín" e o "La Nación" afirmam que Cristina quer se apropriar da fábrica de papel-jornal e que seus funcionários cometem abusos em reuniões da direção da empresa.

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